Fukushima tenta se reerguer sete anos após maior tragédia nuclear do Japão

O acidente na usina nuclear de Fukushima, em 11 de março de 2011, está para os japoneses como o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 para os americanos.

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Por Ricardo Grinbaum , Fukushima e Japão
Atualização:

Masao Uchibori, governador da Província de Fukushima, conta dia a dia a passagem do tempo desde que três reatores da usina nuclear Fukushima Dai-Ichi explodiram há quase sete anos, espalhando uma nuvem de poeira radioativa pela região. “2416 dias já se passaram”, disse Uchibori, em uma apresentação recente na Casa do Japão, em São Paulo. “Muitas coisas já foram feitas, mas ainda sofremos na carne os efeitos do acidente. Vivemos entre a luz e a sombra.”

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O acidente nuclear ocorreu em 11 de março de 2011, data que está para os japoneses como o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 para os americanos. Primeiro, o Japão foi atingido por um terremoto de 9 graus na escala Richter. Em seguida, um tsunami com ondas de 10 metros passou por cima das cidades costeiras no nordeste do país. A montanha de água invadiu a usina e destruiu o sistema interno de geração de energia. Sem eletricidade, não foi possível resfriar o combustível nuclear. 

Vista aérea da usina nuclear de Fukushima Dai-Ichi, em foto de outubro de 2013 Foto: REUTERS/Kyodo

As autoridades dizem que a radiação liberada foi pequena e nenhum morador adoeceu ou morreu. Mas a vida nunca voltou ao normal. Antes do acidente, a Província de Fukushima tinha 2 milhões de habitantes. Era conhecida como uma área tranquila e turística, que preservava o jeito tradicional do Japão, belas paisagens de montanhas, castelos de samurais e comida de boa qualidade, principalmente arroz, pescados e frutas.

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Apesar de toda a campanha do governo para dizer que não há mais riscos, a população encolheu e está hoje em 1,8 milhão de habitantes. Mais de 50 mil pessoas vivem na condição de refugiados, em residências provisórias, com auxílio financeiro de Tóquio. O governo fala em cortar os subsídios para forçá-las a voltar às cidades de origem, mas muitos resistem porque têm medo dos efeitos da radiação. Em algumas cidades, a população corresponde a apenas 3% da que havia antes do acidente. “Ainda não recuperamos a confiança da comunidade da área da usina”, diz Stauro Toyomoto, diretor de assuntos internacionais da Agência de Recursos Naturais e Energia do Japão. 

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O Japão faz um grande esforço para não repetir em Fukushima a experiência russa do acidente nuclear de Chernobyl. Em Chernobyl, o governo cobriu o reator com uma tampa de concreto e tocou a vida adiante. Já o governo japonês prometeu desmontar a usina, descontaminar a região e trazer a população de volta. “O governo definiu que terá a natureza de volta”, diz Noriuchi Tadashi, da agência de reconstrução de Fukushima. Mas ninguém sabe ao certo quando a tarefa será concluída.

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A descontaminação dos campos e das cidades é um empreendimento gigantesco. Uma camada do solo de toda área usada para plantações foi arrancada, embalada em sacos de plástico preto e está empilhada em áreas de depósito provisório de lixo atômico. Pés de pera e pêssegos foram lavados um a um, assim como 418 mil casas e 11.500 instalações públicas, que levaram um banho para tirar a poeira radioativa. Segundo autoridades, a área contaminada pela radiação, que chegou a 30% da província, hoje corresponde a 3%.

Os gastos são de US$ 20 bilhões por ano. Hoje, o principal desafio é como tirar o combustível nuclear derretido dos três reatores mergulhados na água para resfriar. Nunca foi feito um trabalho como esse antes. Cientistas japoneses e estrangeiros se uniram para arrumar uma solução, mas os avanços são lentos. Em novembro, pela primeira vez, um robô driblou os escombros, resistiu às altas doses de radiação e enviou imagens dos bastões derretidos de combustível nuclear de um dos reatores. Mas o próximo passo é visto com cautela.

Teste de robô que foiusado para chegar a combustível nuclearno laboratório de Yokosuka, no Japão, em junho de 2017 Ko Sasaki/The New York Times Foto: Ko Sasaki/The New York Times

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Ninguém arrisca dizer quanto tempo mais será necessário para desarmar a armadilha nuclear. Estima-se que pode levar de 30 a 40 anos. Enquanto isso, as autoridades terão de arrumar uma solução sobre o que fazer com a água usada para resfriar os reatores, que se acumula em tanques gigantescos na área da usina. A população local não aceita que a água seja jogada no mar, apesar de o governo garantir que já não está mais contaminada. Além disso, é preciso arrumar abrigo definitivo para o lixo radioativo do campo. 

Para especialistas, o nível de radiação presente hoje no ambiente é baixo. “O risco potencial à saúde dos moradores diminuiu bastante, talvez só afete os empregados da usina, mas a empresa deve tomar as precauções necessárias”, disse ao Estado David Lochbaum, cientista especializado em energia nuclear, autor do livro Fukushima: The Story of a Nuclear Disaster, em que denuncia erros e omissões que levaram ao acidente.

O estigma, porém, continua forte. Antes do acidente, a exportação de alimentos era de 152 toneladas por ano. Agora, depois de um imenso esforço para convencer outros países a reduzir as restrições, está em 66 toneladas. Mesmo no Japão, os preços de alguns produtos de Fukushima são mais baixos do que os de outras províncias porque parte dos consumidores desconfia da qualidade da comida.

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Os turistas voltaram às montanhas, cidades históricas e termas de Fukushima, mas as visitas correspondem a 90% do que eram antes do acidente. Enquanto isso, o turismo no restante do Japão cresceu 846%, com a chegada dos chineses. 

O turismo e a produção de comida eram fundamentais na economia de Fukushima. Agora, a província quer dar a volta por cima com novas indústrias. Com os reatores desligados, aposta em usinas eólicas e geotérmicas para chegar a 100% de energia de fontes renováveis até 2040. A província planeja instalar indústrias de alta tecnologia e campos de testes de robôs nas cidades costeiras. E quer exportar alimentos com selo de qualidade internacional. Mas ainda há uma grande área de sombra e desconfiança. “Nossa palavra-chave é desafio”, diz o governador Uchibori.

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