Gás matou 116 reféns em teatro russo

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Por Agencia Estado
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O gás usado pelas forças especiais russas para pôr fim ao seqüestro de cerca de 750 pessoas em um teatro de Moscou, na madrugada de sábado, causou a morte por envenenamento de 116 dos reféns, informou neste domingo o chefe da saúde pública da cidade, doutor. Andrei Seltsovski. Somente duas pessoas foram mortas a tiros pelos rebeldes chechenos que haviam tomado o local na quarta-feira à noite. Morreram ainda 50 extremistas, dos quais 18 eram mulheres, e centenas de reféns estão hospitalizados, dos quais 45 em estado muito grave. O gás utilizado pelos comandos especiais continua sendo um mistério e o fato de as autoridades da Rússia não divulgarem o nome da substância levanta suspeitas de que ela seja proibida por tratados internacionais. O chefe dos anestesistas de Moscou, Yevgueni Yevdokimov, disse apenas tratar-se de uma substância narcótica basicamente semelhante à anestesia geral usada em cirurgias. Debilidade Um outro russo, o especialista em armamento químicas Lev Fedorov, garantiu em entrevista à Rádio Eco, de Moscou, que o gás era uma arma química não letal desenvolvida durante a guerra fria. O elevado número de mortes, avaliou, decorre da grande quantidade usada e do estado debilidade dos reféns depois de quase três dias sem comer alimentos sólidos. No entanto, especialistas ocidentais apontam como mais provável um gás nervoso, provavelmente o sarin. Para o perito francês Olivier Lepick, especializado em armas químicas e biológicas, o produto seria o BZ (Benzylate), proibido por tratados internacionais. O BZ provoca forte confusão mental, incapacidade para raciocionar e rápido efeito sedativo. Dose exagerada Outro expert nesse tipo de armamento, o alemão Jan van Aken, suspeita também que o agente químico venenoso usado pelos russos seja um produto proibido e, além disso, tenha sido utilizado em nível de concentração demasiado alto, razão pela qual causou tantas mortes. "Exageramos um pouco na dose para estarmos completamente seguros de neutralizar as mulheres do comando, para que não pudessem acionar os explosivos que levavam consigo", disse um "participante no assalto", segundo a edição na internet do diário russo Moskovski Komsomolets. Médicos do Centro de Toxicologia da Clínica Universitária de Munique, para onde foram levados na madrugada de hoje dois alemães que estavam entre os reféns, não conseguiram identificar a substância. "É como se tivesse desaparecido, deixando apenas seus efeitos", afirmou o dr. Thomas Zilker. Os dois pacientes estão conscientes, mas com sintomas de envenenamento, alterações no aparelho respiratório e deficiências na musculatura cardíaca. O gás poderá deixar seqüelas graves no sistema respiratório e no coração. A embaixada dos Estados Unidos em Moscou pediu às autoridades russas que informem o tipo de gás utilizado na operação. O Ministério do Exterior da Holanda anunciou que uma cidadã holandesa, Natalia Zjirov, estava entre os reféns mortos. Uma austríaca de 43 anos também morreu depois de ter sido libertada. Não foi noticiada nenhuma outra morte entre os 71 reféns estrangeiros. Os gases e suas classes Os gases tóxicos empregados como armas bacteriológicas são agrupados em seis classes: neurotóxicos, inflamantes, lacrimogêneos, pnneumotóxicos, sistêmicos e estomutatórios. O chamado gás nervoso que teria sido usado pelas forças especiais russas é um neurotóxico. Apenas um miligramo dele pode provocar a morte por parada cardíaca. O mais conhecido dessa família é o sarin, empregado pela seita japonesa Ensino da Verdade Suprema num ataque ao metrô de Tóquio, em 1995, no qual 12 pessoas foram mortas e milhares intoxicadas. A única possibilidade de escapar aos efeitos dessas substâncias é usando uma máscara antigás ou tomando atropina imediatamente depois da inalação. Operação foi um sucesso As baixas fatais entre os 700 reféns talvez ultrapassem os 20%, e o número de feridos graves não pára de crescer mas, ainda assim, a operação de repressão ao comando guerrilheiro checheno no Palácio da Cultura, em Moscou, foi um sucesso: todos os rebeldes foram mortos ou estão presos, a maior parte das pessoas tomadas pelos seqüestradores foi resgatada e nenhuma exigência dos insurgentes terminou sendo atendida. O protocolo das forças russas para crises decorrentes de ações terroristas determina que se dê prioridade máxima ao êxito da missão. No caso, segundo declarou o vice-ministro do Interior, Vladimir Vasilyev, o Grupo Alfa recebeu ordens de "anular a ameaça da melhor forma possível". No jargão doutrinário isso implica assumir o esforço de reduzir os danos aos reféns. Mas não de evitar os riscos mais graves. Tolerando O uso de gás narcótico como agente debilitante é característico: dificilmente as autoridades russas ignorariam que portadores de doenças cardíacas ou de alergias seriam severamente atingidos pelos efeitos do produto químico. "É diferente do que fariam os esquadrões especiais americanos ou europeus, que só entrariam em ação depois de esgotadas todas as possibilidades de negociação, eventualmente tolerando a execução de três ou quatro pessoas," sustenta um oficial brasileiro, integrante do time de elite do Exército equivalente ao Alfa. Para o militar, que não quer ser identificado, "estava claro desde o início do episódio que a pretensão do comando Barayev (a retirada imediata das tropas russas da Chechênia) não poderia ser atendida". Essa constatação, ele acredita, "levou o governo de Moscou à conclusão pragmática de que o sacrifício de homens, mulheres e crianças era inevitável em qualquer circunstância." Observação furtiva Os russos estavam preparados para desencadear uma ação com força ainda maior que a lançada pelo Grupo Alfa na madrugada de sábado. Cerca de 30 soldados da poderosa e secreta tropa Spetsnaz, um misto de fuzileiros navais com Comando Delta, aguardava dentro de três furgões negros estacionados diante do teatro. Os homens da equipe Alfa vinham mantendo o Palácio da Cultura sob escuta permanente e observação furtiva por meio de micro-câmeras acopladas a cabos de fibra ótica. A vigilância permitiu saber que as 18 mulheres encarregadas de detonar cargas explosivas amarradas ao corpo e espalhadas em vários pontos da platéia, dispersavam-se entre os seqüestrados todas as vezes que as forças russas movimentavam-se nas ruas. Um pelotão Alfa de demolição trabalhou na escavação de buracos nas paredes por onde no momento da invasão, foram lançadas granadas atordoantes e flashes de fósforo para causar cegueira temporária nos guerrilheiros. A primeira equipe a entrar foi a dos atiradores de precisão. Vários rebeldes foram atingidos nos olhos e na garganta. Outros executados com tiros na nuca. Era preciso fazer prisioneiros. Mas não muitos.

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