PUBLICIDADE

Gaullistas podem perder Paris após 24 anos

Um candidato socialista ameaça encerrar as mais de duas décadas de domínio conservador à frente da capital francesa.

Por Agencia Estado
Atualização:

As eleições municipais de março de 2001 abrem a temporada pela conquista do poder na França. O fim da corrida deve ser em junho de 2002, com as eleições legislativas - um mês depois das presidenciais de maio, que mais uma vez deverão ser marcadas pela disputa entre o atual presidente, o gaullista Jacques Chirac, e o primeiro-ministro sociallista, Lionel Jospin. O que mais chama a atenção na abertura desse período eleitoral no país é a chamada "batalha de Paris". Isso porque a cada dia parece mais evidente (mesmo sendo ainda cedo para um prognóstico definitivo, a 30 dias do pleito), que a direita francesa, fortemente desunida, caminha para a debâcle eleitoral, perdendo o controle de seu principal feudo, a prefeitura de Paris, que detém há 24 anos - desde 1977, quando Chirac se elegeu prefeito pela primeira vez. O grande favorito nas pesquisas de opinião é o socialista Bertrand Delanoé. O sistema gaullista, desgastado, está desmoronando. O sucessor de Chirac, seu afilhado Jean Tiberi, teve a candidatura à reeleição vetada pelo próprio partido, o RPR. Como insistisse em continuar candidato, acabou sendo expulso, mas mesmo assim permanece na disputa pela reeleição contra o candidato oficial, Philippe Séguin. Ex-presidente da Assembléia Nacional, Séguin é homem do interior, desvinculado da capital, e sua campanha, segundo seus colaboradores mais diretos, tem sido catastrófica. Uma série de acusações de corrupção envolvem Tiberi e sua mulher, Xaviera, incluindo uma lista de eleitores fantasmas em sua base eleitoral, que é investigada pela Justiça. Tudo isso contribui para desacreditar ainda mais a candidatura dele na opinião pública. Todas as pesquisas estão prevendo um grande desastre eleitoral que terá conseqüências nas eleições legislativas e presidenciais. Os gaullistas do partido de Chirac não só estão ameaçados de perder a maioria no Conselho Municipal (conseqüentemente, a possibilidade de eleger o prefeito), como também a maior parte das 20 subprefeituras de bairros. Essa alternativa do poder ocorre numa cidade que sofreu forte transformação nas três últimas décadas. Paris é hoje uma capital quase sem indústrias e operários, transformando-se num centro de serviços e comércio. Grandes empresas como Renault e Citroën, cujas fábricas no passado ficavam plantadas no coração de Paris e marcavam a vida social da cidade, mudaram-se para outras regiões. No local da antiga fabrica Citroën foi erguido o maior centro hospitalar da Europa, o Hospital George Pompidou. Pode ser um paradoxo, mas a nova Paris prepara-se para votar mais à esquerda. Cinqüenta e três por cento dos parisienses estão convencidos de que o candidato socialista será um bom prefeito, enquanto 70% defendem uma ampliação do poder e da autonomia das subprefeituras de bairros, com mais descentralização da administração municipal. Paris deixou de ser monolítica e cada bairro, mesmo cada quarteirão, tem identidade própria. Só 33% consideram que Séguin possa ser um bom prefeito e 29% acreditam em Tiberi - evidenciando uma revolta dos parisienses contra o sistema que governou a cidade durante todo esse tempo. Em grande parte, essa evolução se deve ao importante crescimento de associações de bairros e organizações não-governamentais (ONGs) cada vez mais ativas e exigentes - atualmente muito cortejadas pelos partidos e candidatos. Durante muito tempo, os políticos mais conservadores não deram o devido valor às associações e ONGs, ao contrário de outras forças políticas, principalmente os verdes, que apostaram no crescimento de sua influência política e na vida da comunidade. A cidade sofreu também uma forte transformação urbana. Numerosos imóveis residenciais do início do século, sem nenhum conforto, quartos sem cozinha e banheiro, foram renovados e transformados em pequenos apartamentos. Esse rápido processo de valorização, e naturalmente de especulação imobiliária, resultou numa gradativa expulsão das camadas mais pobres da população, obrigadas a abandonar bairros como o Marais, hoje uma das áreas mais nobres da cidade, optando por regiões mais longínquas do centro. Paris registra uma acentuada queda de sua população intramuros - 2.125.246 habitantes (são 10 milhões na região parisiense), segundo o censo de 1999, uma redução de 27.177 habitantes em relação a 1990, distribuídos numa superfície comum de 105 quilômetros quadrados. Com uma renda per capita de 200 mil francos anuais (US$ 30 mil), a cidade assiste preocupada, a exemplo de outros grandes centros urbanos, a um crescimento da criminalidade - 2,1% ao ano. Ocorrem nela e nos subúrbios freqüentes disputas entre gangues. A autoridade pública reconhece sua incapacidade para enfrentar esse fenômeno da sociedade, como revelou esta semana o próprio ministro do Interior, Daniel Vaillant. O tema da segurança pública tornou-se um dos mais importantes da campanha eleitoral em todo o país. Afinal, a segurança é também fundamental para manter o elevado fluxo turístico do país. A França, atualmente com 65 milhões de habitantes, deverá receber esse ano em seu território, 75 milhões de turistas de todo o mundo. O candidato favorito nas pesquisas para a prefeitura, o socialista Delanoé, é um homem de Paris. Trata-se de um político que nunca se destacou como um dos líderes nacionais do PS, mas é reconhecidamente um bom vereador de oposição, dedicado à solução dos problemas da cidade, e senador da república. Delanoé há pouco tempo tornou pública sua homossexualidade, o que indica que esse aspecto repressivo está desaparecendo da política francesa. Ele percorre os bairros mais populares da zona norte, visita feiras e participa de reuniões de associações de bairros. Sua vitória é antecipada pela mídia, abrangendo não só os arrondissements mais pobres da cidade, mas pela primeira (entre candidatos socialistas) as zonas de maior concentração de classe média alta - Quartier Latin, Saint Germain, Bastille, Marais e mesmo o centro, na região da Opera.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.