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Gays uruguaios desafiam conservadores

Processo de transformação social, que já deixou para trás as penas para a prática do aborto, deve legalizar união homossexual

Foto do author Luiz Raatz
Por Luiz Raatz e MONTEVIDÉU
Atualização:

Lola é travesti. Trabalha como pedreiro em uma obra no centro de Montevidéu e deve ser um dos milhares de beneficiários do processo de transformação da sociedade uruguaia - que após anos de debate, deve votar no Senado a medida que legalizará o casamento gay. Na esteira desse mesmo processo de discussão intensa, a lei que descrimina a prática do aborto vigora no país desde o dia 3 e a regulamentação do comércio de maconha a tem dominado o debate político.

Lola, no tempo livre, milita no coletivo Ovelhas Negras, grupo que defende os direitos da comunidade LGBT no Uruguai. Sua história é similar à de muitos uruguaios discriminados que estão perto da conquista inédita, o que tornaria o Uruguai o segundo país da América Latina, após a Argentina, a legalizar a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

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"Sempre trabalhei na construção civil, mas antes tinha de me vestir de homem para ir à obra", contou Lola ao Estado. Ela relata que, em várias ocasiões, foi vítima de preconceito no trabalho. Uma vez, quando foi trabalhar vestida de homem por medo de ser demitida, ouviu de um colega: "Veio com a roupa do namorado hoje, é?" Muitas vezes, sua contratação era condicionada à prestação de favores sexuais. "Eles me diziam que se eu dormisse com eles, me contratariam. Mas no dia seguinte me mandavam embora."

Sindicalizada e militante, Lola trabalha na obra de uma cooperativa do Sindicato Único Nacional de Construção e Anexos (Sunca). Segundo ela, os companheiros de trabalho já não fazem piadas e ela tem respaldo dos empregadores. "Ai de quem faz graça de mim. Se eu não conseguisse trabalhar por ser travesti, não conseguiria arremessar um saco de areia de 25 quilos", disse, mostrando o muque.

Desde o dia 3, Lola mudou oficialmente de nome. Chama-se Diana Gabriela Méndez Maidana. Com documento e registro na previdência social. "Meus empregadores terão de alterar meus registros também porque, do contrário, perco o que já contribuí desde que fui contratada, no começo do ano."

A mudança de nome e de sexo está em vigor no Uruguai desde 2009. Um dos principais negociadores políticos do Ovelhas Negras, Federico Graña, explica que, ao contrário do que ocorreu em outros países, como a Argentina, o movimento LGBT optou, no Uruguai, pela prioridade aos transgêneros, por julgá-los mais carentes de proteção legal, antes de pressionar pela aprovação do casamento gay.

"Nós debatemos muito o que deveríamos fazer primeiro. Quando começamos a crescer, em 2007 e 2008, privilegiamos a parte mais vulnerável do movimento, que é a população trans", disse Graña. "Outros movimentos de sucesso, como o espanhol e o argentino, optaram pelo casamento, que é uma causa que agrega muita gente."

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Foi só depois da aprovação da mudança de identidade para transexuais e da união concubinária de pessoas do mesmo sexo - processo jurídico em que é necessário provar o relacionamento do casal por duração mínima de cinco anos - que o movimento LGBT uruguaio optou por lutar pela aprovação da união gay.

Dono de uma boate gay no centro de Montevidéu, o empresário Leonardo Fernández voltou da Espanha para o Uruguai há três anos, quando a crise europeia se agravou. Queria abrir um negócio em seu país de origem. Ele conta que, quando inaugurou o Chains Club, numa rua perto da Praça Independência, enfrentou a resistência dos vizinhos. Hoje, isso mudou. "Os vizinhos já não querem que vamos embora."

A boate recebe em média 150 pessoas por sábado. Fernández conta que, nos últimos anos, o setor de entretenimento para homossexuais recebeu bastante apoio do governo. "O turismo gay tem aumentado bastante. Acredito que, com a aprovação do casamento, melhorará ainda mais", afirmou. Fernández faz a avaliação com base em sua experiência fora do Uruguai. Ele tinha deixado o país para viver na Espanha, onde a união entre casais do mesmo sexo é legalizada.

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