Generais não podem ignorar antigos movimentos na África

Os desafios políticos e econômicos que virão com o sucesso são monumentais e não poderão ser resolvidos por ditaduras militares

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Por Bobby Ghosh e BLOOMBERG
Atualização:

As juntas militares eram muito populares no Norte da África meio século atrás, e agora os generais nos três maiores países da região tentam trazê-las de volta à moda. Na Argélia e no Sudão, onde protestos derrubaram antigos tiranos, grupos militares vêm ressurgindo das sombras para reivindicar o poder. Na Líbia, depois de oito anos de instabilidade desde a queda do ditador Muamar Kadafi, outro aspirante a caudilho tenta assumir o controle pela força das armas. 

"Vamos dialogar com todas as entidades políticas, com o objetivo de preparar o clima para as negociações e a realização das nossas aspirações", afirmou o general Omar Zinelabidine Foto: Ashraf Shazly / AFP

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Os generais Ahmed Awad Ibn Auf, do Sudão, Ahmed Gaid Salah, da Argélia e Khalifa Haftar, da Líbia, deveriam ter cuidado com o que desejam. Os desafios políticos e econômicos que virão com o sucesso são monumentais e não poderão ser resolvidos por ditaduras militares. Se não quiserem obstruir o caminho desejado pela população, eles deveriam ponderar que é de seu interesse escapar do ônus de governar.

Se estiverem prestando atenção aos acontecimentos das últimas semanas ou da década, os generais saberão o que levou à queda de seus predecessores: populações jovens, destemidas e politicamente ativas, exigindo o fim do desgoverno e a realização das suas aspirações econômicas crescentes. Saberão, também, que os manifestantes que conseguiram a deposição de Abdelaziz Bouteflika e Omar al-Bashir não se retirarão calmamente das ruas. A geração de seus pais concedeu às juntas militares nos anos 50 e 60 o benefício da dúvida. Hoje, argelinos, sudaneses e líbios têm mais conhecimento.

Qualquer general que queira governar essa população inquieta tem de se dispor a massacrar os dissidentes com uma força brutal, ou rapidamente demonstrar sua capacidade de resolver os problemas econômicos. É improvável que os Exércitos sudanês e argelino estejam dispostos ao massacre ou que seus líderes terão capacidade de solucionar os problemas.

Nos dois países soldados algumas vezes se juntaram às manifestações e em outros momentos protegeram os manifestantes contra outras forças de segurança. Mesmo que tenham sido exemplos dispersos, os generais terão dificuldade para retratar esses movimentos pró-democracia como uma ameaça existencial que justificaria uma campanha militar prolongada.

Bashar Assad, na Síria, pintou seus opositores como fundamentalistas sunitas determinados a exterminar as outras seitas. Abdel Fattah el-Sisi, do Egito, explorou o temor dos egípcios e dos aliados do Egito, de uma supremacia islamista. A campanha de Haftar, no leste da Líbia, foi vista como um ataque às ambições expansionistas do Estado Islâmico.

Mas os manifestantes sudaneses e argelinos não podem ser considerados sectários, muito menos terroristas. Qualquer repressão a esses indivíduos acarretará uma condenação internacional e sanções econômicas. As credenciais de Haftar como antiterrorista estão se apagando. Sua campanha contra Trípoli expôs suas ambições ditatoriais.

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Se os senhores de guerra da Líbia até agora não demonstraram nenhuma aptidão para administrar a economia, os apoiadores de Haftar poderão ao menos alegar que ele ainda não teve oportunidade para mostrar sua competência. Os generais na Argélia e no Sudão não têm essa desculpa: como participantes dos regimes de Bouteflika e Bashir eles compartilham a culpa pela incapacidade que caracterizou suas economias.

Mesmo que proponham uma nova maneira de agir, terão pela frente desafios que estão além da sua compreensão: reformas dolorosas, incluindo corte de subsídios, eliminação de indústrias estatais, abertura dos mercados, solicitação de empréstimos e ajuda internacionais.

Argelinos, sudaneses e líbios serão mais pacientes com governos eleitos no combate aos problemas econômicos e menos inclinados a realizar protestos em massa. Nenhuma junta terá essa consideração. Qualquer general que refletir sobre esses e outros problemas que os aguardam à frente concluirá sensatamente que o poder, se tiver acesso a ele, não justificará os problemas que terá de enfrentar. 

Resta uma motivação primordial para eles conseguirem o poder: a autoproteção. Auf e Salah e outros iguais a eles sentem que precisam se agarrar ao poder para evitar investigações sobre seus delitos passados. Mas será melhor tratar esta questão com um governo civil que estará mais disposto a negociar se os generais neste momento agirem da maneira certa. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

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