Geórgia ainda vê Stalin, seu filho mais famoso, com admiração

Culto ao ditador soviético persiste em sua terra natal, a mesma que ele mandou o Exército Vermelho invadir

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Por Dan Bilefsky
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Com seu bigode característico, o uniforme de marechal soviético com o peito coberto de medalhas, insistindo em ser chamado de "camarada", Jamil Ziyadaliev, sósia de Stalin, talvez já devesse estar aposentado na Geórgia, um país que ainda sofre as conseqüências da recente guerra com a Rússia. Mas Ziyadaliev, 64 anos, pai-avô de duas crianças, que se veste como Stalin mesmo quando está de folga, diz que os negócios nunca estiveram tão bons. Ele é contratado freqüentemente para animar casamentos, onde dança a música soviética Katyusha, da 2ª Guerra. A vantagem de se parecer de modo inquietante com o ex-ditador é que Ziyadaliev pode ganhar refeições de graça e não precisa pagar os consertos do carro. De quebra, tem passagem livre nos postos de controle russos. "Minha semelhança com Stalin é como um visto na Geórgia", afirmou Ziyadaliev, muçulmano originário do Azerbaijão que já foi motorista de táxi, vendeu legumes na feira e trabalhou como contador antes de seguir carreira como a moderna encarnação do brutal e diabolicamente brilhante tirano soviético. "Todos os georgianos respeitam Stalin porque ele foi um grande líder que criou um grande império - e, é claro, foi o georgiano mais famoso que jamais existiu", disse Ziyadaliev. Nem todos concordam. Nika Jabanashvili, operário da construção civil, cujos avós foram deportados por Stalin de Tbilisi para a Ásia Central durante a repressão das minorias étnicas, considera Stalin mais que um assassino. "Ele era um Satanás, matou mais gente do que o faraó. Não dou a menor importância se era georgiano. Era um homem mau." Quaisquer que sejam as opiniões, o culto a Stalin persiste nesta pequena, mas orgulhosa nação de 4,6 milhões de habitantes, onde o filho de sapateiro georgiano que se tornou o titã do século 20 continua uma figura de enorme destaque, embora polêmica. Uma recente pesquisa no Forum de Tbilisi, um site político, perguntou às pessoas se elas se orgulhavam do fato de Stalin ter sido um georgiano: uma minoria de 37% das várias centenas de entrevistados disse "Sim", enquanto 52% disseram "Não" e 11% responderam não se interessar. Vakhtang Guruli, um historiador da Geórgia que trabalha nos arquivos da KGB em Tbilisi, contou que a maioria dos georgianos considera Stalin "maior que um homem, mais que um ser humano e menos que Deus". HERÓI E ALGOZ Ele afirma que os livros de história da Geórgia contemporânea ainda louvam Stalin por derrotar o fascismo de Hitler e por transformar a União Soviética em uma superpotência industrial, embora o critiquem por arquitetar a invasão do Exército Vermelho que acabou com a recém-conquistada independência da Geórgia. Sua sede de poder, afirma Guruli, era decididamente uma característica georgiana, conseqüência de um ego exagerado em um minúsculo país machista, há muito tempo corroído pelo banditismo. "Os russos tendem a se esquecer de que Stalin tinha um nome georgiano, Dzhugashvili, que abandonou ao adotar o nome de guerra de Stalin, que significa ?homem de aço?, quando tinha pouco mais de 30 anos", disse Guruli. "Mas todo georgiano sabe que Stalin nasceu aqui. Pode ter dado as ordens de execução em russo, mas com forte sotaque georgiano." Uma linhagem, acrescentou, que Nikita Kruschev tomou para si depois de denunciar o governo de Stalin, em 1956, zombando dele e de seus capangas como grosseiros camponeses georgianos . Simon Sebag Montefiore, autor de O Jovem Stalin, uma crônica da violenta educação do ditador como aspirante a seminarista que se tornou revolucionário marxista em Tbilisi, afirma que, mesmo quando Stalin ascendeu à liderança soviética, manteve um profundo apego à Geórgia. Ele escrevia freqüentemente para a mãe, que ali morava, passava as férias nos balneários da Abkázia e cultivou uma persistente predileção pelo vinho, pela comida, pela poesia e pela música folclórica georgiana. "Existem dois Stalins: o Stalin russo e o Stalin georgiano", disse Montefiore. "Em sua versão georgiana, Stalin continua o marxista que vai às ruas, o garoto georgiano de Gori. Na versão russa, Stalin é o líder mais importante do século XX e sua identidade georgiana foi expurgada e russificada."

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