Geração ‘Occupy’ embaralha disputa democrata na corrida à Casa Branca

Discurso franco de Bernie Sanders atrai jovens que não têm tradição de envolvimento com política, mas se preocupam com redução de desigualdade econômica; sucesso de adversário no início das prévias desafia Hillary a mudar agenda

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Por Renata Tranches
Atualização:

O forte apelo à geração que vivenciou o movimento Occupy Wall Street em 2011 e a promessa de uma ‘revolução política’ nos Estados Unidos estão empurrando a campanha do senador Bernie Sanders, de 74 anos, e embaralhando a disputa democrata à Casa Branca. 

Há menos de um ano, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton era a favorita do partido para suceder a Barack Obama. Mas a extrema polarização dos partidos políticos americanos que já causou o “fenômeno” Donald Trump do lado republicano está tendo seus efeitos também do lado democrata, segundo analistas consultados pelo Estado

Hillary Clinton e Bernie Sanders se cumprimentam após debate em New Hampshire Foto: REUTERS/Carlo Allegri

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Os perfis dos eleitores nos dois primeiros Estados a ter prévias – Iowa e New Hampshire – deixaram isso mais evidente. A diretora do Departamento de Política e Relações Internacionais da Wake Forest University, da Carolina do Norte, Katy Harriger, explica que nenhum dos dois Estados representa o perfil médio do eleitor democrata. Nos dois, porém, Sanders obteve apoio expressivo dos jovens. 

Para Katy, especialista e coautora de um projeto de engajamento de jovens adultos na política, a escolha de Sanders por um discurso que “desafia” Wall Street e os modelos de financiamento de campanha têm um enorme apelo entre esses eleitores, tanto homens como mulheres. “Nossas pesquisas mostraram que jovens adultos são muito alienados no que diz respeito à maneira como a política é praticada, mas são particularmente preocupados quanto ao papel do dinheiro na política.” 

A maneira como Sanders entrega esse discurso, na opinião do cientista político da Universidade da Califórnia, em Riverside, Shaun Bowler, também conta. “As expressões ‘autêntico’ e ‘diz as coisas como elas são’ são usadas para descrevê-lo. É o mesmo apelo que Trump tem”, afirma, acrescentando que a retórica recheada de palavras simples e diretas dos dois candidatos “outsiders” tem solidificado a vantagem de ambos. “Sanders e Trump parecem conectados, ainda que de maneira diferente. Ambos falam como pessoas ‘da vida real’, com palavras simples e erros”, ressalta Bowler, um estudioso do comportamento eleitoral. 

Bowler lembra ainda que Sanders tem outro ponto que fala alto aos jovens: seu apoio à ajuda para universitários pagarem as salgadas taxas das universidades. O tema está inserido em um contexto geral do discurso de Sanders que defende que o governo gaste mais dinheiro para ajudar os cidadãos em geral. 

Diferenças. A visão progressista de Sanders para a economia é um dos aspectos que o distancia de outro então senador democrata que complicou a vida de Hillary há nove anos: Barack Obama, mais ligado à Escola de Chicago de pensamento econômico, liberal e pragmática. 

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No começo de 2008, Obama obtinha suas primeiras vitórias nas prévias democratas. Assim como Sanders, ele também tinha um forte apelo entre os jovens, mas a grande diferença, segundo Katy, é que esse apoio não se restringia a esse segmento. “Ele também tinha um enorme apelo com outros importantes grupos da coalizão democrata, especialmente eleitores negros e hispânicos (de todas as idades)”, lembra. “Ainda precisamos ver (nas próximas primárias) se Sanders será capaz de conquistar essa coalizão (além de sua parcela jovem).”

Na última semana, Sanders dedicou especial atenção em conquistar os eleitores afro-americanos. Na quarta-feira, o democrata se encontrou com o reverendo Al Sharpton, um dos mais importante ativistas dos direitos civis nos EUA, em um tradicional restaurante no Harlem, em Nova York. Após o encontro, o reverendo afirmou ao site The Hill que Sanders não o havia convencido de que seu projeto de bem-estar social será capaz de combater os efeitos do racismo na desigualdade social. Na quinta-feira, o Comitê de Ação Política (PAC) do Caucus Negro do Congresso (CBC) americano, por sua vez, anunciou apoio a Hillary. 

Segundo os especialistas, esse é o momento da campanha em que os candidatos falam a seus mais fiéis eleitores. Sanders provoca Hillary, acusando-a de não ser progressista o bastante. Ela, por sua vez, tenta assumir posições que a ajudem em novembro, mas a deixam vulnerável aos ataques de que não é liberal o bastante, diz Bowler. “O movimento Occupy parece não ter tido a mesma persistência do Tea Party (movimento de extrema direita republicana). Mas as pessoas do Occupy são as pessoas de Sanders”, afirma o cientista político. 

No entanto, para Katy, o movimento não pode ser desprezado. Seu slogan – “Nós somos os 99%!” – criticava a distância entre a pequena parcela dos super-ricos americanos, que constituem 1% da população e os demais 99% foi determinante para a campanha presidencial do ano seguinte, entre Obama e Mitt Romney. Um vídeo no qual o republicano aparecia dizendo que 47% jamais votaria nele e apoiaria Obama por depender de pensões do governo foi imediatamente associado ao slogan e pode ter sido uma das causas de sua derrota.  Para a especialista, a retórica reverbera até hoje e mostrou ser importante para a atual campanha. “Está levando os jovens para Sanders e os trabalhadores brancos mais velhos para Trump”, diz ela.

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