Giuliani, um Bush esperto e perigoso

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Por Michael Tomasky
Atualização:

Vocês já devem ter ouvido falar do caso. Num anúncio de rádio preparado para sua campanha, o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani diz aos ouvintes ter descoberto um câncer na próstata em 2000. Ele afirma: "Minhas chances de sobreviver a um câncer nos EUA, e graças a Deus eu me curei, eram de 82%. Minhas chances de sobreviver a um câncer de próstata na Inglaterra, onde a medicina é socializada, eram de apenas 44%." Esses números são falsos. A real taxa de sobrevivência por cinco anos na Grã-Bretanha é de 74%, que ainda é inferior à dos EUA, mas bastante alta para que alguém possa utilizá-la como instrumento em um comercial de campanha. A diferença que existe é explicada amplamente pelos exames de prevenção, bem mais generalizados nos EUA, que conseguem detectar muitos casos de câncer de próstata não letais. Ocorre que os números apresentados por Giuliani eram de um artigo publicado sete anos atrás em um jornal conservador. O artigo foi escrito pelo especialista em política de saúde do jornal, que admitiu ter feito uma interpretação "tosca" de um estudo feito por um respeitado grupo acadêmico. O grupo, por seu lado, denunciou a interpretação de dados equivocada do autor do artigo. Mas quando indagado sobre se a campanha continuaria a usar esses dados, o porta-voz de Giuliani foi taxativo: "Sim, continuaremos." Sei muito bem como as coisas funcionam. Durante uma dezena de anos fiz a cobertura de Giuliani, em Nova York . (Aqui vai uma nota para os americanos de direita furiosos, que já devem estar me enviando e-mails dizendo para eu tirar meu nariz estrangeiro dos seus negócios: sou tão americano quanto um Ford F-150). Giuliani mente com uma assombrosa impunidade. Mas o problema é esse: ele mente com tal convicção e aparente autoridade que as pessoas que não estão predispostas a analisar o assunto acreditarão nele - na verdade, se convencerão plenamente de que Giuliani diz uma verdade indiscutível, a ponto de acharem quase impossível não acreditar. A hipocrisia de Giuliani com relação ao anúncio não acaba nessas falsas estatísticas. Joe Conason observou no seu site www.Salon.com, que, quando fez seu tratamento, Giuliani era prefeito de Nova York e segurado de um plano de saúde sem fins lucrativos que atende os funcionários do governo, ou seja, medicina semi-socializada. E como notou Ezra Klein no seu Comment is free (um blog de The Guardian), o tratamento que salvou Giuliani foi desenvolvido na Dinamarca, um país que, Klein curiosamente observou, "fica na Europa e tem um sistema de saúde universal". Mas nada disso impedirá Giuliani. Ele dirá e fará qualquer coisa que acha que deve dizer e fazer para conseguir o poder. Os jornais dizem que, como prefeito, Giuliani era um "liberal" no campo social, como se suas posições sobre aborto e imigração fossem questão de convicção. Tolice. Ele assumiu as posições que precisava assumir para ser eleito numa cidade esmagadoramente democrática. Embora eu deva reconhecer que suas opiniões sobre os direitos dos gays eram mais ou menos autênticas; qualquer pessoa vivendo em Nova York sabe como é grande a população gay. E agora ele está dizendo e fazendo qualquer coisa para conseguir que milhões de americanos de direita o apóiem. Recentemente, numa reunião de conservadores sociais, disse que sua confiança em Deus "está na essência" do que ele é. É sabido que, como prefeito, Giuliani quase nunca assistiu a uma missa,obviamente traiu a mulher (a segunda) com quem se casou na Igreja Católica. Além disso, as únicas ocasiões em que me lembro dele invocando a Deus, quando prefeito, foram as duas vezes em que precisou dizer "e assim, Deus me ajude", ao prestar juramento na cerimônia de posse. Mas, mais adiante, ele assumirá um cargo, e dirá mais mentiras e mais impunemente. E com imunidade, porque, numa cultura em que o sentido da história limita-se amplamente à lembrança de algumas imagens emocionantes na TV, ele continuará agindo impunemente, certo de que a principal coisa que muitos americanos guardam como lembrança dele é o extrato de um filme em que ele sai correndo dos escombros do World Trade Center. Uma porcentagem muito menor saberá que a razão de ele ter abandonado às pressas o local foi porque tinha decidido, tragicamente, instalar o centro de comando de emergência no complexo da torre - o único prédio em Nova York que já tinha sido alvo de um grande ataque terrorista. A propósito: uma vergonha o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, ter convidado Giuliani para uma visita, em setembro. Existe uma longa tradição de presidentes e primeiros-ministros receberem líderes do outro lado do Atlântico. Mas Giuliani ainda não é um. Brown não precisava conceder a ele esse tipo de privilégio que é uma audiência com o primeiro-ministro britânico. É melhor que Brown e todos os britânicos percebam logo que Giuliani é um homem perigoso. Um George Bush inteligente. Um Dick Cheney com um objetivo melhor. Considerem-se avisados. TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO *Michael Tomasky é editor do ?Guardian America?

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