Governar a Guiana virou um bom negócio

Reserva gigantesca de petróleo torna-se alvo de disputa entre os políticos guianenses

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Por Anatoly Kurmanaev
Atualização:

GEORGETOWN - A descoberta de uma enorme reserva de petróleo na costa da Guiana poderia ter catapultado o pequeno país, vizinho do Brasil, ao primeiro escalão dos produtores mundiais e colocar seus cidadãos no caminho de uma vida melhor. 

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Em vez disso, a descoberta aprofundou as tensões históricas que travam o país, deixando alguns guianenses com medo de que a nova riqueza subverta sua frágil democracia e acabe com outras indústrias, como aconteceu na vizinha Venezuela.

As tensões em torno das eleições presidenciais, realizadas esta semana, e membros da Assembleia Nacional são um sinal de problemas. O resultado determinará qual político estará no comando quando o dinheiro começar a jorrar este anos. O FMI prevê um crescimento assustador do PIB de 85,6% em 2020.

A disputa foi acirrada entre líderes que representam os dois principais grupos étnicos da Guiana: os negros e os de ascendência indiana. Os eleitores se dividiram quase exatamente na metade e em linhas raciais.

Barqueiros esperam eleitores que usam os veículos para chegar às seções eleitorais de Parika, na Guiana Foto: Adriana Loureiro Fernandez/NYT

Racha

Desde a eleição, o debate público se transformou em um ciclo de rancores históricos. Cada parte teme que a outra usará a riqueza do petróleo para afastar os rivais do governo nos próximos anos – privando-os de sua participação justa nos ganhos.

Por isso, sem resultados oficiais, os dois lados estão reivindicando a vitória, o que ameaça prejudicar a economia da Guiana, um dos países mais pobres do continente, e mergulhá-la em uma prolongada crise política. “Somos uma sociedade rachada pela etnia”, disse Winston da Costa Jordan, ministro das Finanças. “Seria muito improvável que o dinheiro aproximasse as pessoas.”

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Os guianenses reconhecem que é um desafio superar divisões de longa data. Mas a descoberta de 8 bilhões de barris de petróleo por um consórcio liderado pela multinacional Exxon Mobil poderia ter sido um incentivo poderoso o suficiente para que os 750 mil habitantes superassem as desconfianças e se unissem na promessa de uma bonança econômica que beneficiaria a todos.

O início da produção de petróleo, em dezembro, deve multiplicar o PIB do país nos próximos anos. A renda per capita, hoje de US$ 9 mil, deve chegar a US$ 30 mil, em 2024, o que colocaria o país entre os mais ricos da América do Sul. 

“O egoísmo que contaminou as eleições está pesando bastante nas perspectivas econômicas da Guiana às vésperas da era do petróleo”, indicou Ralph Ramkarran, importante político que liderou uma campanha bastante quixotesca como candidato de um pequeno partido multiétnico. “O pensamento aqui é: ‘Para que compartilhar quando estou ganhando tudo?’”, disse. “Até que isso seja corrigido, a Guiana continuará sendo um país de desconfianças e subdesenvolvimento econômico.”

A Exxon iniciou a produção em dezembro e, embora o retorno em 2020 seja uma pequena fração do que virá, espera-se que os rendimentos do petróleo este ano cheguem a um terço de toda a receita do governo, superando todas as exportações tradicionais do país, de acordo com o FMI.

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Até o final da década, a produção de petróleo guianense chegará a 1,2 milhão de barris por dia, segundo estimativas da consultoria Rystad. Isso significaria que a Guiana ultrapassaria a atual produção de sua vizinha, a decadente gigante Venezuela.

As decisões econômicas tomadas pelo próximo governo, em grande medida, determinarão se a ex-colônia açucareira britânica será capaz de atrelar sua riqueza petrolífera ao desenvolvimento nacional. No entanto, nenhum dos principais partidos ofereceu um plano para o país.

O minúsculo serviço público guianense e as leis defasadas não acompanharam o desenvolvimento vertiginoso proporcionado pela Exxon. A empresa americana começou a exportar petróleo do primeiro poço de águas profundas da Guiana, localizado a 160 quilômetros da costa, em janeiro, cinco anos depois de fazer a descoberta. As receitas da primeira remessa deverão cair nos cofres do governo nos próximos dias.

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As leis ambientais e de mineração, que também regulam a indústria petrolífera, estão desatualizadas e sequer mencionam o petróleo. Um acordo provisório entre o governo e a Exxon para utilização do gás natural, associado à produção de petróleo, para fornecer eletricidade barata, uma das principais demandas dos eleitores guianenses, não foi a lugar nenhum, porque não existem leis ou agências estatais que possam orientar esse tipo projeto, de acordo com autoridades.

Economia

Os guianenses temem que a preocupação do governo com o petróleo já esteja deslocando recursos das indústrias tradicionais – açúcar, arroz, bauxita e ouro –, que são suas maiores fontes de emprego. Nos últimos anos, o governo fechou quatro usinas de açúcar não lucrativas, ocasionando a perda de 7 mil empregos. 

A principal mina de bauxita, administrada pela Rusal, da Rússia, também está cortando empregos e exportações. “Eles pararam de prestar atenção aos outros setores”, disse Bharrat Jagdeo, líder da oposição.

Uma nova economia voltada para o petróleo está tomando forma rapidamente. Em torno da capital Georgetown, canaviais abandonados estão sendo destruídos e transformados em complexos de luxo para estrangeiros e bases de suprimento para as empresas petrolíferas. 

Um novo shopping center, com Hard Rock Cafe e 12 cinemas, atenderá a quem conseguir aproveitar o boom da indústria. No entanto, mesmo que os campos de petróleo offshore venham a jogar bilhões de dólares sobre a Guiana nos próximos anos, eles fornecem poucos empregos diretos. E, como tudo o mais no país, o destino dos trabalhadores deslocados da agricultura e da mineração se tornou uma batalha partidária.

O Partido Progressista do Povo (PPP), hoje na oposição, apoiado pelos descendentes de trabalhadores indianos trazidos pelos britânicos, prometeu usar as receitas do petróleo para reabrir e modernizar as usinas de refino de açúcar, refletindo sua tradicional força nas áreas rurais.

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A Parceria para a Unidade Nacional (PNU), partido hoje no poder, apoiado principalmente pelos negros, quer que os trabalhadores agrícolas se recapacitem, despejando o dinheiro do petróleo na saúde e na educação, um aceno a seus redutos no setor público. Contudo, nenhum partido, nem mesmo o presidente David Granger, apresentou dados concretos sobre investimentos ou esboçou projetos iniciais. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU 

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