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Governo Biden volta atrás e mantém regra de Trump para expulsar imigrantes

Casa Branca estudava revogar medida adotada na pandemia, mas mudou de ideia diante do aumento de casos de covid-19; organização defensora de direitos civis processa o governo

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Por Redação
Atualização:

WASHINGTON — Após as detenções na fronteira dos Estados Unidos com o México atingirem em junho seu maior número na história recente, o governo do presidente Joe Biden decidiu manter em vigor uma controversa medida de saúde pública herdada do seu antecessor, Donald Trump. A regra criada pela Casa Branca em meio à pandemia permitiu ao país expulsar sumariamente centenas de milhares de imigrantes nos últimos meses.

Confirmada pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), a decisão marca uma mudança na posição do governo Biden, que trabalhava para reverter a medida, conhecida como Título 42. Parte do Código Sanitário americano, ela permite ao governo proibir a entrada nos EUA quando o CDC constatar que há "um sério perigo de uma nova doença ser introduzida" no país. 

Agente americano da Alfândega e da Patrulha de Fronteiravigia a cerca da fronteira próximo à praia em Tijuana, no Parque Estadual da Fronteira em San Diego, Califórnia, EUA, em 16 de novembro de 2018. Foto: REUTERS / Mike Blake / Arquivo de foto

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Biden sofria há meses pressão interna de alguns democratas e ativistas de direitos humanos para revogar a regra: para eles, a medida é usada menos para fazer frente ao risco sanitário e mais para conter o fluxo na fronteira e mitigar a pressão de republicanos que demandam políticas migratórias mais duras. A disseminação da variante Delta e o aumento de casos de covid-19 nos EUA, contudo, deram impulso ao argumento de saúde pública.

O agravamento da pandemia coincide com o aumento do fluxo na fronteira Sul após a troca de comando na Casa Branca: apenas em junho, segundo dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês), 188.829 pessoas foram detidas ao chegarem ao território americano, o maior número desde abril de 2000. Entre eles, 6.563 brasileiros. 

Trata-se de um aumento exponencial em comparação aos 61 brasileiros detidos na fronteira em junho de 2020, número menor que o habitual devido não apenas às políticas anti-imigração de Trump, mas também às limitações impostas pela pandemia. As detenções voltaram a aumentar no início do ano, mas caem desde abril, quando registraram um pico de 8.751.

A maior parte dos imigrantes que tentam atravessar a fronteira são oriundos da violência e da pobreza nos países do Triângulo Norte da América Central — Guatemala, Honduras e El Salvador. Tradicionalmente, o fluxo na região perde força com as altas temperaturas do verão no Hemisfério Norte, mas números preliminares de julho indicam que este não será o caso em 2021. Portanto, permitir mais imigrantes no país com a suspensão do Título 42, afirmam funcionários da Casa Branca, poderia causar uma crise humanitária.

Imigrantes aguardam orientações da patrulha de fronteira após cruzarem do México para os EUA; questão é um dos desafios de Biden Foto: Go Nakamura/REUTERS

Decisão no tribunal

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Na segunda-feira, a União das Liberdades Civis Americanas (ACLU), disse que seguiria em frente com um processo para forçar o governo a suspender o Título 42 para famílias de imigrantes. O anúncio vem após meses de negociações que tinham como “objetivo final” pôr um fim à medida, disse um dos advogados do grupo.

“Agora está claro que não há qualquer plano imediato para fazer isso”, afirmou Lee Gelernt, em nota. “O governo fez declarações públicas repetidas de que só precisaria de um tempo extra para reconstruir o sistema de concessão de asilo desarticulado pelo governo Trump. Nós demos sete meses, agora o tempo se esgotou.”

Em um documento entregue ao tribunal para responder à ACLU, o governo argumenta que bloquear a aplicação da regra neste momento sobrecarregaria ainda mais os já lotados centros de processamento na fronteira, acentuando o risco sanitário. Seria mais difícil, alega, impor o distanciamento social, apontando para o fato de que um número maior de imigrantes e agentes vem apresentando testes positivos para o novo coronavírus.

Biden foi eleito prometendo um sistema de imigração menos draconiano que o de seu antecessor, tendo como uma das plataformas de sua campanha a reversão das políticas de Trump que, por exemplo, limitavam significativamente o número de solicitantes de asilo que os EUA considerariam. Isso, contudo, tem se provado mais difícil do que o inicialmente previsto.

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Biden é criticado pelas alas mais progressistas de seu partido por não agir mais agressivamente para reverter o legado de Trump. Republicanos, por sua vez, o acusam de criar uma crise na fronteira ao reverter várias das medidas migratórias do republicano, supostamente facilitando o ingresso irregular no país.

Se o governo do democrata usa o Título 42 para rejeitar rapidamente adultos que chegam sozinhos e famílias de imigrantes, ele parou de aplicá-lo a crianças que cruzam sozinhas a fronteira. Biden também suspendeu diversas medidas anti-imigração do antecessor, incluindo a que obrigava os solicitantes de asilo a esperarem a análise de seus casos no México. Além disso, ele apresentou uma proposta de reforma migratória que facilitaria a concessão de cidadania para imigrantes em situação irregular.

Passo atrás

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Há apenas algumas semanas, o governo estudava revogar o Título 42 para famílias imigrantes ainda em julho e, depois, para adultos que viajam sozinhos. O atraso desses planos, possivelmente até o fim do ano, será bem visto por republicanos que defendem a manutenção da regra até quando for possível. Também fomenta, no entanto, os argumentos de que há uma crise na fronteira.

Apesar da restrição, muitas famílias de imigrantes puderam entrar nos EUA neste ano: a aplicação da regra varia de lugar para lugar. Em partes da fronteira, como no Sul do Texas, os abrigos em território mexicano já não têm mais espaço disponível para recebê-los. Algumas outras famílias conseguiram ingressar nos EUA devido a exceções, como condições de vulnerabilidade.

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As diferenças na aplicação do Título 42 geram confusão e fazem com que muitos imigrantes tentem cruzar a fronteira repetidas vezes. Mais de um terço das pessoas detidas ao tentarem entrar nos EUA em junho, afirma o CBP, já haviam tentado fazer o percurso anteriormente.

Se quem geralmente faz o processamento dos imigrantes é a Patrulha da Fronteira, o fluxo atual de pessoas que cruzam o Rio Bravo para chegar ao Texas levou o governo a deslocar funcionários do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) para a região. Eles não só ajudam com o processamento dos pedidos de refúgio, mas também com testes para a covid-19.

Dois dos centros de detenção da agência estão sendo usados como abrigos temporários para que as famílias aguardem o processamento. Democratas foram grandes críticos da maneira com que Trump lidou com a questão em 2019, quando ele propôs uma regulação para deter indefinidamente famílias que tentavam entrar irregularmente no país.

Em março, o governo anunciou planos de manter as famílias de imigrantes sob custódia por apenas 72 horas. Nem o Departamento de Segurança Interna nem o ICE souberam responder, no entanto, por quanto tempo o governo pretende manter as famílias nos centros de detenção usados como centros de processamento temporários.