O enfraquecido governo da Somália e a União das Cortes Islâmicas (UCI) assinaram nesta quinta-feira um acordo de reconhecimento mútuo, cessar-fogo e o fim das trocas de acusações. O acordo foi assinado pelo presidente da Somália, Abdula Yusef Ahmed, e pelo chefe da delegação da UCI, Mohammed Ali Ibrahim, em Cartum, capital do Sudão, após conversas promovidas pelo governo sudanês e pela Liga Árabe. No início do mês, milícias da UCI tomaram a capital somali, Mogadiscio. Há mais de uma década sem um governo central, o país passa por uma das piores crises humanitárias do continente africano. O convênio assinado nesta quinta-feira também prevê a retomada do diálogo entre representantes do governo somali e as milícias da UCI em 15 de julho, em Cartum. Além disso, estipula a abertura de processos contra as pessoas envolvidas em crimes de guerra cometidos durante a guerra civil que castiga a Somália há 15 anos. Fontes próximas às conversas disseram que houve a decisão de continuar as negociações para "resolver assuntos políticos e de segurança pendentes". "Os dois lados se comprometeram em cessar as campanhas militar e de propaganda", anunciou o secretário geral da Liga Árabe, Amr Moussa, durante a cerimônia de assinatura presidida pelo presidente sudanês, Omar al-Bashir. "Ambas as partes concordaram em estabelecer um compromisso que preserve a unidade e a integridade da Somália", continuou, acrescentando que a UCI irá reconhecer a legitimidade do governo interino da Somália, baseado em Baidoa, a 250 quilômetros de Mogadiscio. O governo, por sua vez, "aceitou a realidade da existência das Cortes Islâmicas", finalizou Moussa. Intervenção estrangeira O encontro ocorreu dentro da Comissão da Liga Árabe para a Somália, a pedido do presidente do Sudão, em uma tentativa de conseguir um cessar-fogo e evitar uma hipotética intervenção estrangeira no país. Também foram a Cartum o primeiro-ministro somali, Ali Mohammed Ghedi, e o presidente do Parlamento da Somália, Sharif Hassan Sheikh Áden. Participaram ainda representantes dos países-membros da Comissão da Liga Árabe para a Somália: Sudão, Omã, Arábia Saudita, Iêmen, Djibuti, Egito, Líbia, Tunísia, Argélia, Síria e Jordânia. Antes desta reunião, a comissão da Liga Árabe havia se reunido separadamente, com representantes da delegação da UCI e do governo somali. As milícias islâmicas da UCI, que agrupam desde muçulmanos moderamos até fundamentalistas islâmicos, assumiram o controle de Mogadiscio após expulsarem da cidade as forças da Aliança Antiterrorista e de Restauração da Paz. Os enfrentamentos, que duraram meses, resultaram na morte de centenas de pessoas. Atualmente, os rebeldes controlam também toda a região sul do país, incluindo a área fronteiriça com a vizinha Etiópia. Embora não tenham combatido diretamente o governo interino, as milícias da UCI se recusavam em reconhecer as autoridades em Baidoa como o governo central do país. A Somália, um dos 22 países-membros da Liga Árabe, vive uma situação de caos desde janeiro de 1991, quando os chefes dos clãs tribais, controlados pelos "senhores da guerra", derrubaram o regime do ditador Mohammed Siad Barre. Senhores da guerra Uma das deficiências do acordo é a não inclusão dos senhores da guerra expulsos de Mogadiscio nas negociações. Desta forma, os membros do grupo não estão submetidos ao cessar-fogo. Paralelamente, o presidente interino do país, que participou da cerimônia, disse que seu governo pretende negociar a paz com as Cortes Islâmicas. "Nós não temos interesse em derramar mais sangue, e procuraremos todos os caminhos possíveis para preservar a vida dos somalis", disse Yusef. "Esta é a chance para acabar com o sofrimento e começar o desenvolvimento. Aceite meu conselho: a guerra leva a lugar nenhum", completou. Referindo-se às negociações que começarão no próximo dia 15, o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, afirmou: "Nós, no Sudão, faremos o melhor para que as pessoas na Somália participem das negociações e atinjam um acordo final que represente a todos". Para o analista somali Omar Jamal, responsável pelo Centro de Justiça Somali em St. Paul, em Minnesota, o acordo é um passo adiante, mas precisará de pressão internacional para que seja cumprido. "Eu espero que os dois lados não estejam gastando mais tempo", ponderou. Matéria atualizada às 20h20