
07 de julho de 2013 | 02h07
Meus amigos egípcios não admitem, mas o Egito é um país que passa por um experimento moderno. Foi no Egito, em 1928, que nasceu a Irmandade. Foram sucessivos governantes militares que prenderam, torturaram, mataram e exilaram milhares de membros do grupo. Foi nas prisões do Egito que o jihadismo contemporâneo nasceu, quando Sayyd Qutb foi enforcado, em 1966, por criticar o governo.
A partir daí, a Irmandade passou por uma reforma, aceitou o voto e abandonou o uso de balas para assassinar políticos. Seus membros podem não ser democratas como Jefferson, mas acreditam no governo de consenso. Apesar dos erros, disputaram e venceram a eleição presidencial em 2012. Mohamed Morsi foi a cobaia para se saber se o islamismo pode existir dentro de uma estrutura secular. O que ocorrer no país afetará o caminho de grupos islâmicos em todas as partes.
Morsi não teve o êxito esperado. Em sua presidência, cresceram o radicalismo salafista, os ataques a minorias religiosas, o domínio do poder na ausência de um escrutínio parlamentar, apagões, violações da lei e da ordem, fuga de capital, um declínio do turismo e contínuos protestos. Morsi cercou-se de assessores arrogantes que pensavam em governar o Egito como se fosse sua propriedade.
A ira de milhões de manifestantes é compreensível. Mas, com a derrubada de Morsi, quem o substituirá? Não existe um líder confiável. A oposição não produziu líderes. Retornar a um regime militar parece uma opção atraente para muitos secularistas que se esquecem que o país vive uma experiência de reconciliação do Islã político com um governo moderno.
A campanha da Irmandade para salvar a presidência de Morsi concentra-se no slogan "apoio à legitimidade". O próprio Morsi sublinhou que não existe "nenhuma alternativa para a legitimidade". A mensagem é de que ele foi eleito e a sua destituição sem eleições é ilegítima. O que não é apenas politicamente perigoso, mas também uma dinamite religiosa.
Os secularistas ignoraram esse perigo. Exército, Judiciário, mídia e sociedade civil bloquearam a eleição dos membros da Câmara Baixa e o diálogo para acabar com o impasse. A oposição desorganizada uniu-se em torno de uma questão apenas: a destituição de Morsi. E depois? Silêncio. A classe política do Egito tem de oferecer mais do que apenas grandes manifestações.
Enquanto isso, os EUA agiram bem ao não pedirem a renúncia de Morsi. Em jogo está nada menos do que trazer o islamismo para o mundo moderno. É importante que os americanos aproveitem essa oportunidade histórica para domar o antiamericanismo islâmico.
Há evidências de que as atitudes da Irmandade mudaram: a política triunfou sobre a ideologia. Morsi manteve os acordos de paz com os israelenses e ajudou a intermediar o cessar-fogo entre Hamas e Israel. Seu governo bloqueou túneis usados pelo Hamas para contrabandear armas para Gaza.
Esses são elementos fundamentais para o poder brando americano. O islamismo no poder ajudou a diluir a ideologia antiocidental. A Irmandade é a nau capitânia das organizações islamistas da região. Para onde ela for, os outros irão. Se o mandato da Irmandade terminar abruptamente, os islamistas mais radicais dirão: "Nós avisamos. A democracia não funciona. A única maneira de criar um Estado islâmico é por meio da luta armada."
A conclusão é perigosa para os secularistas, prejudicial para os moderados e para os interesses ocidentais no Oriente Médio. O Egito está no epicentro de uma batalha global pela alma das sociedades muçulmanas. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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