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Governo Trump estuda terrenos para construir muro; proprietários prometem brigar na Justiça

Dezenas de moradores do sul Texas receberam cartas pedindo que funcionários do governo federal fossem autorizados a entrar nas propriedades e realizar testes e medições; muitos, no entanto, dizem que resistirão

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Por Redação
Atualização:

RIO GRANDE CITY, EUA - Nadya Alvarez não se importa com a construção de um muro de fronteira, mas sua propriedade em Rio Grande City, no Texas, ao longo da linha divisória entre os Estados Unidos e o México, tornou-se de grande interesse para o governo americano.

Ela e outras dezenas de proprietários de terras no Vale do Rio Grande receberam cartas do governo federal americano nos últimos meses pedindo acesso para funcionários do governo que fazem testes de solo, armazenam equipamentos e tomam outras ações para os estudos de viabilidade do muro.

Nadya Alvarez na sua propriedade em Rio Grande City, Texas; ela é uma das que se recusa a ceder terras para construção do muro de Trump Foto: Sergio Flores for The Washington Post

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De acordo com advogados e especialistas, este é o primeiro passo do governo para tentar assumir a propriedade dessas áreas com base no domínio eminente - que exige que o governo prove que a terra terá para uso público e ofereça compensação monetária aos proprietários. Se forem necessárias ações na Justiça, no entanto, o governo pode ser forçado a entrar em longas batalhas judiciais que afetariam os planos do presidente Donald Trump de construir centenas de quilômetros de muro.

Governos anteriores, como o de George W. Bush, já tentaram usar o domínio eminente para terrenos ao longo da fronteira do Texas, mas o resultado foi uma série de disputas em tribunais que se estendem por mais de uma década e ainda não foram resolvidas. Muitos proprietários de terras, como Nadya, estão propensos a defender suas casas na Justiça.

Ela se recusou-se a permitir que os funcionários federais acessem sua propriedade, que recebeu de seu avô, e brigou com seu pai por permitir que o governo entrasse em suas terras. "Sou contra o muro porque vou ser expulsa da minha casa para ele ser construído", disse Nadya, uma professora de ensino médio de 47 anos.

Efrén C. Olivares, diretor do programa de justiça racial e econômica do Projeto de Direitos Civis do Texas, disse que cerca de 100 pessoas receberam cartas do governo buscando acesso às suas propriedades para determinar como e onde o muro poderia ser construído.

As cartas são o primeiro passo de um processo em duas etapas que o governo usa em casos de domínio eminente, dizem advogados e especialistas. Primeiro o governo pede para inspecionar a terra, um passo que os proprietários normalmente concordam. Se o local for adequado para o uso pretendido, o governo parte para a segunda etapa: tentar comprar o terreno ou recorrer aos tribunais para forçar a venda. Em uma dessas cartas, o governo pediu que proprietário fornecesse "acesso irrevogável" aos seus funcionários por 18 meses.

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Moradores do sul do Texas estão familiarizados com essas disputas. Quando Bush assinou uma lei em 2006, conhecida como Lei da Cerca Segura, autorizando a construção de centenas de quilômetros de cercas ao longo da fronteira entre os EUA e o México, as batalhas judiciais começaram entre as pessoas na região e o governo.

Mas grande parte das áreas solicitadas pelo governo Bush já eram de propriedade do governo federal, diz Gerald Dickinson, professor de direito na Universidade de Pittsburgh, que se concentra no uso da terra e na lei constitucional. O muro que Trump quer construir, no entanto, seria diferente.

"Seria um muro contíguo ao longo toda a fronteira sul, portanto, estamos falando da tomada em massa de propriedades privadas na região", disse Dickinson. A maioria das pessoas, segundo o especialista, não está disposta a entregar voluntariamente suas terras, mesmo se o governo oferecer um preço justo de mercado, forçando o governo a recorrer à Justiça. 

Uma das cartas enviadas pelo governo americano para proprietários de imóveis rurais no sul do Texas Foto: Sergio Flores for The Washington Post

"Seriam milhares de processos de domínio eminente que teriam que passar pelos tribunais distritais federais no Texas em sua maior parte, mas também em lugares como Arizona e Novo México", explica Dickinson.

Segundo Olivares, foram abertos 334 processos de domínio eminente no Sul do Texas durante o governo Bush. Entre 60 e 70 casos ainda estão sem conclusão depois de mais de uma década, a maioria deles por discordância entre os valores oferecidos pelo governo. 

O Projeto de Direitos Civis do Texas tem atuado para informar as pessoas que elas não são obrigadas a permitir o acesso do governo às suas terras. "Quem não tem advogado, vai ser pressionado (a aceitar). Estamos tentando evitar que isso aconteça", afirmou Olivares.

Divisa entre EUA e México, com a cidade americana de San Diego à direita e Tijuana à esquerda Foto: Washington Post photo by Carolyn Van Houten

Trump defende há muito tempo o uso do domínio eminente para assumir terrenos, algo que ele tentou fazer, sem sucesso, para forçar uma viúva em New Jersey a sair de sua casa em Atlantic City.

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A Atlantic City Casino Redevelopment Authority enviou um aviso à mulher oferecendo US$ 250 mil por sua propriedade e ameaçou abrir uma ação de domínio eminente. Trump queria construir um estacionamento de limusine próximo ao seu cassino Trump Plaza. 

Um tribunal de New Jersey, no entanto, decidiu contra Trump. A dona da casa depois se mudou para a Califórnia e o imóvel foi vendido em leilão e demolido.

Depois de chegar à presidência, Trump continuou a apoiar o domínio eminente e na semana passada chamou a medida de "um processo justo" e "muito necessário". O presidente disse que as autoridades federais tentariam fazer acordos com os proprietários para a construção do muro, mas se isso não funcionar o governo assumiria a propriedade da terra e pagaria por meio do processo judicial.

Nadya também está se preparando para uma batalha judicial para proteger o que é dela e lutar contra o que acredita ser um processo injusto. Ela sente como se os políticos em Washington não entendessem o modo de vida no Vale do Rio Grande, onde os moradores cruzam fronteiras internacionais regularmente. E ela não quer sair de casa.

"Acho que eles assumem que somos ignorantes... Eles ameaçam e dizem: 'ou você assina ou vamos tomar (sua propriedade)'", disse ela. "Esta é a minha casa." / THE WASHINGTON POST

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