Governos estão entre maiores compradores

Países tentam reduzir dependência das importações de alimento, mas nova posse de terra é questão política delicada

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Por NOVA YORK
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Não são apenas banqueiros e especuladores, mas também governos, que vêm adquirindo terras em outros países, procurando, assim, reduzir sua dependência do mercado mundial e das importações. A China abriga 20% de toda a população mundial, mas tem somente 9% das terras aráveis do mundo. O Japão é o maior importador de milho do mundo; a Coreia do Sul, o segundo. Os países do Golfo Pérsico importam 60% de todos seus produtos alimentícios, enquanto que suas reservas de água natural são suficientes para sustentar só mais 30 anos de agricultura. Mas o que ocorre num mundo globalizado quando essas colônias surgirem novamente? Por exemplo, se a Arábia Saudita adquirir partes da região do Punjab, no Paquistão, ou investidores russos comprarem metade da Ucrânia? E o que pode suceder quando a fome se abater sobre esses países? Os estrangeiros ricos vão instalar redes elétricas em torno de seus campos e colocar guardas armados escoltando os carregamentos de alimentos que serão levados para fora do país? O Paquistão já anunciou seus planos de mobilizar 10 mil membros das suas forças de segurança para proteger os campos de propriedade estrangeira. Como essa posse moderna de terras transformou-se uma questão política delicada, normalmente é apenas o chefe de Estado do país que sabe dos detalhes. Mas, em alguns casos, governadores de províncias já leiloaram terras para quem ofereceu o melhor lance, como no Laos e no Camboja, onde os governos já nem sabem quanto do seu território ainda possuem. Ninguém conhece exatamente a quantidade de terra que está em jogo. O Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês), fala em 30 milhões de hectares, mas é impossível comprovar. Mesmo as agências da ONU precisam recorrer a artigos de jornais a respeito, enquanto o Banco Mundial tenta convencer os países a prestar mais atenção nas entrelinhas dos acordos que vão assinar. Klaus Deininger, economista da área de política agrária no Banco Mundial, calcula que entre 10% e 30% de terras cultiváveis podem ser disponibilizadas, mas apenas uma fração do total potencial de acordos de venda e arrendamentos foi assinada: "Houve um salto enorme em 2008, quando projetos e as propostas de compra mais do que dobraram em muitos países, e em alguns casos triplicaram." Em Moçambique, diz ele, a demanda estrangeira por terras é maior do que o dobro das terras cultivadas no país, e o governo já alocou quatro milhões de hectares para investidores, metade deles do exterior. ACORDOS ESPETACULARES Entretanto, os acordos mais espetaculares não estão sendo firmados por investidores privados, mas pelos governos e os fundos e conglomerados que eles promovem. A Arábia Saudita é um dos maiores e mais ativos compradores de terras. No segundo trimestre deste ano, o rei saudita participou de uma cerimônia onde recebeu a primeira safra de arroz para exportação, produzida para a Arábia Saudita na Etiópia, onde a população morre de fome. A Arábia Saudita gasta US$ 800 milhões anuais promovendo companhias estrangeiras que cultivam "produtos agrícolas estratégicos", como arroz, trigo, cevada e milho, que ela então importa. Ironicamente, o país foi o sexto maior exportador de trigo do mundo na década de 90. Mas como a água é escassa no país, o rei quer preservar suas reservas. Exportar alimentos significa também exportar água. Mas a terra quase sempre está em uso. Os pobres, em particular, vivem dela, de onde tiram suas frutas e ervas, a madeira para fogo e pasto para o gado. Segundo um estudo conjunto realizado por várias organizações da ONU, a justificativa para as apropriações é que as terras estão "ociosas". E, de acordo com o estudo,essas apropriações podem desalojar um enorme número de pequenos agricultores. Em muitos países pode haver terra arável suficiente para todos, mas a qualidade não é uniforme - e os investidores querem a melhor. Ocorre que, geralmente, ela está sendo usada pelos agricultores locais. Como mais de 50% dos africanos são pequenos agricultores, a aquisição de grandes extensões de terra será um desastre para a população. Quem perde seu campo perde tudo. PEQUENOS AGRICULTORES O fato de os grandes investidores poderem melhorar as colheitas com modernas tecnologias agrícolas não ajudará em nada os africanos que, sem a terra e seu meio de subsistência, não terão dinheiro para comprar alimentos dessas novas produtoras agrícolas. O Banco Mundial e outros estão criando um código de conduta para os investidores. Uma declaração de intenção foi elaborada para ser assinada na cúpula do G-8 em L?Aquila, Itália, em julho. Mas os governantes não concordaram com as normas vinculantes do documento.

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