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Greve mostra divisão dos venezuelanos sobre Chávez

Por Agencia Estado
Atualização:

Existem apenas duas formas para tentar entender o que os venezuelanos pensam sobre a greve convocada pela oposição, que quer tirar o presidente Hugo Chávez da presidência do país. Uma, andar acotovelando-se com os vendedores ambulantes nas ruas estreitas, sujas e mal cuidas das imediações da Praça Candelaria, no centro de Caracas; outra, caminhar tranqüilamente pelas avenidas de Altamíra, bairro nobre no município de Chacao, a menos de 20 minutos da capital. Na Candelaria, a paralisação é apenas parcial, já que o comércio, bares e restaurantes, exceto em alguns locais, estão funcionando normalmente. "Não posso falar, por favor não me pergunte nada", respondeu o dono da padaria "El Faro", a uma quadra da Praça Candelaria, onde quinta-feira à noite grupos favoráveis ao presidente Chávez e os que querem derrubá-lo se enfrentaram com pedras e paus. A polícia teve de intervir. O dono de um açougue próximo à padaria, na mesma rua, também se recusou a comentar a greve. "Abri porque temos permissão para funcionar, pelo menos até o início da tarde", disse o espanhol Manuel González, dono de um pequeno comércio especializado em queijos e embutidos genuinamente espanhóis. Permissão de quem?, indagou a Agência Estado. Dos que convocaram a greve geral, respondeu o espanhol, de 68 anos. De acordo com González, há 45 anos morando em Caracas, ele decidiu acatar a greve porque acha que a solução para o país é a renúncia de Chávez. "Queremos mudanças, porém, desde que seja pela via democrática." O comerciante responsabiliza o governo pela queda das vendas, que, segundo ele, teriam se retraído pelo menos 50% nos últimos dois anos. Em Altamíra, o clima é outro. Apenas algumas agências bancárias e postos de gasolina abriram as suas portas. A rotina desse bairro de classe média e média alta foi quebrada, também, pela ocupação de sua principal praça por militares entrincheirados. "Sou de classe média sim, não rica, como os outros que moram nesta região. Mas não somos racistas, como dizem", disse Noélia Pérez, uma espanhola de 58 anos. Para ela, quem dividiu o país e o deixou na situação em que está foram os "bandos" de Chávez. Visivelmente tensa ao ser observada por algumas pessoas enquanto concedia a entrevista, Noélia disse que o ódio que existe entre os venezuelanos hoje vem das classes marginais, que querem apoderar-se da propriedade dos mais beneficiados. Faltou dizer, dos que tiveram mais sorte. De acordo com ela, proprietária de uma importadora de equipamentos de refrigeração, a crise deve se estender ainda por muito tempo. "Você lembra de quantos dias foram necessários para derrubar Allende (o ex-presidente chileno)? Pois é, foram 40 dias de greve, só que nós aqui não temos um Pinochet", disse. Quando a reportagem comentou que a rede CNN em espanhol faria uma reportagem esta semana com o presidente, Noélia caiu no radicalismo: "A CNN está vendida. Como podem fazer uma reportagem com Chávez, como se fosse um herói. Espero que isso não ocorra no Brasil. Não confio em populistas, e Lula (o presidente eleito) é um populista." Para a espanhola, que mora na Venezuela há 42 anos, os países não precisam de líderes, mas de pessoas equilibradas. "Os líderes são como as mulheres e homens bonitos. Primeiro se olham no espelho para admirar-se e, depois, olham o resto", comparou. Ao comentar essas declarações, Parménides José Sanabria Garcia, formado em engenharia civil pela Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo (USP), disse que, infelizmente, a Venezuela carece de cultura. "Dói reconhecer isso, mas essa falta de cultura e de informação vêm de longe", afirmou. Parménides, de 66 anos, lamentou que nenhum governo tenha conseguido resolver o problema da educação no país. "Metade da população não tem cultura, não sabe as coisas básicas e provavelmente não freqüentou escolas, por isso a Venezuela se transformou em país de vendedores ambulantes?, lamentou. A filha Marialida Sanabria, de 32 anos, engenheira mecânica, disse que o presidente Hugo Chávez vem tentando quebrar essa corrente corrupta de 40 anos, que fez com que o petróleo do país fosse vendido sem benefícios e lucros para a Venezuela. "Chávez tentou promover mudanças, porém são difíceis, já que a estrutura de 40 anos atrás ainda é corrupta e é complicado erradicá-la em apenas três anos", afirmou. "A massa da população, infelizmente, é minimamente instruída. Essa é outra dificuldade que precisa ser superada."

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