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Guerra de estrelas

Por MAC MARGOLIS
Atualização:

Jovem, arrojado e genial, Gustavo Dudamel é o pôster da América Latina emergente. O maestro venezuelano, de 33 anos, que dirige a Orquestra Sinfônica de Los Angeles, tem 528 mil seguidores na sua conta do Twitter e seu próprio aplicativo (Bravo Gustavo) na loja iTunes, da Apple. Mais de 800 mil já curtiram sua página no Facebook. Seus concertos são ansiosamente esperados, de Salzburgo a Tóquio. É uma estrela do rock latino de deixar Ricky Martin e Shakira com inveja.No entanto, ultimamente, The Dude (o Cara), como o batizaram os fãs internacionais, anda desafinando, justamente em sua terra natal. No dia 12 de fevereiro, o maestro chegou a Caracas para dirigir a Orquestra Sinfônica Simón Bolívar. A sinfônica é cria do maestro José Antonio Abreu, lendário diretor de "El Sistema", célebre programa de educação musical que levou música erudita morro acima nas favelas venezuelanas.Seu melhor discípulo era justamente Dudamel, que assumiu a orquestra em 1999 e, de Caracas, partiu para o mundo. Aos 28 anos, tornou-se diretor musical da Filarmônica de Los Angeles, onde comove fãs, mexe com a crítica e, a cada concerto, sacode o vetusto universo da música clássica. Críticas. Agora, ele sacode os bastidores da debelada revolução para o socialismo do século 21. A convite do presidente Nicolás Maduro, Dudamel chegou como destaque das comemorações do Dia Mundial da Juventude e do 39.º aniversário do "Sistema". Brandiu a batuta como a espada de Bolívar e levou a plateia a calafrios, aos acordes do venezuelano Evencio Castellanos, passando por Mahler, Tchaikovsky e Mozart. Colheu aplausos calorosos, mas também vaias nacionais.Acontece que enquanto tocava, a Venezuela pegava fogo. Manifestantes aos milhares apanhavam da polícia, da Guarda Nacional e dos coletivos, bandos armados que atacavam montados em motocicletas. Quem quebrou o silêncio entre os artistas foi a pianista Gabriela Montero, mais conhecida por suas improvisações no teclado. "Não posso ficar mais calada", declarou em carta aberta a Gustavo Dudamel e José Antonio Abreu. "Eles tocaram enquanto seu povo estava sendo massacrado." Dudamel demorou, mas depois respondeu. Disse que estava no país pela música e não pela política. Isso apesar do evento chapa branca, assistido pela nata da oligarquia bolivariana de Maduro. Calderón já havia antecipado a réplica, lembrando do Titanic. "O quarteto seguia tocando e afundou com o navio. A música não os salvou. A Venezuela está afundando e o Sistema afundará com ela", arrematou.Cadeia nacional. Com a violência em escalada, outros músicos e artistas entraram no páreo. Jan Wagner, ex-diretor da Orquestra Sinfônica de Odense, da Dinamarca, clamou pelo fim imediato da repressão "praticada contra a nação pacífica por parte do governo brutal e despótico" da Venezuela. Dudamel ainda esboçou a tréplica, insistindo que sua música fosse um instrumento de paz e concórdia, mas não convenceu. "Foi uma declaração digna de Miss Venezuela", debochou a oposição antichavista. "Quando Chávez matava gente, saía com o crucifixo e chamava para o diálogo. Maduro mata gente e sai dançando com sua mulher em cadeia nacional", disse o cineasta Jonathan Jakubowicz. E assim foi. Na Venezuela, como na União Soviética stalinista e na Guerra Civil espanhola, intelectuais e artistas tomam partido, cada um de seu lado das barricadas. Chávez teve as suas celebridades, dos astros de Hollywood, como Sean Penn e Oliver Stone, à Orquestra Sinfônica Simón Bolívar. O Sistema nasceu bem antes de sua revolução, mas já se tornou patrimônio nacional.Chávez, que nada tinha de bobo, afeiçoou-se dele e tornou-se seu maior patrono. Contava com o brilho de José Antonio Abreu e Gustavo Dudamel, que por sua vez agradeciam a guarida oficial e calavam sobre o restante. Assim bailavam, comandante e artistas, à arriscada toada bolivariana. Quando assumiu Maduro, a música não parou. Mas a permuta entre maestro e mecenas parece ter perdido sua graça.É COLUNISTA DO 'ESTADO' E CHEFE DA SUCURSAL BRASILEIRA DO PORTAL DE NOTÍCIAS VOCATIV

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