"Guerra pela democracia" de Bush falha no Afeganistão

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

George W. Bush nos deu, na noite de quarta-feira, uma nova versão para as razões de sua sanha guerreira contra o Iraque. Ele quer restabelecer a liberdade e a democracia, primeiro no Iraque e, depois, aos poucos, em todo o Oriente Médio. Não é uma revelação. Há meses em que a coisa é clara. Mesmo que a intervenção também tenha motivos petrolíferos, a razão principal é espiritual. Os neocolonialistas de Washington pretendem instalar os valores ocidentais e, portanto, dos Estados Unidos - religiosos, morais, o sistema democrático e capitalista - em toda a zona, à espera de impô-los a todo o planeta. Essa vontade é benéfica ou não? Cada um terá sua resposta. Alguém poderia se perguntar se essa iniciativa daria certo. Em outras palavras, pode-se impor a populações dotadas de uma cultura, de uma fé, de uma moral, de uma história singular o modelo, supostamente superior, do Ocidente? Dispomos de um laboratório. É o Afeganistão. Este país estava nas mãos dos talebans fundamentalistas e seus amigos da Al-Qaeda. Então, houve a destruição das torres de Nova York, a dor dos EUA e a guerra ao Afeganistão. Os ocidentais, com os americanos à frente, purgariam o país dos islâmicos e instalariam uma democracia sob conduta de um presidente pró-americano, Hamid Karzai. Eis, portanto, um país arrancado das garras do mal. Belzebu foi reduzido a cinzas. Infelizmente, o mal é tenaz, ágil e tem poder de revitalização. A despeito dos esforços do Ocidente, dos seus soldados, dos seus dirigentes, dos seus humanistas, os islâmicos retomaram a direção. Se a Al-Qaeda parece não ter voltado à aventura, em compensação, o islamismo radical retomou o combate. Quem dirige a onda anti-Ocidente? Dois movimentos. Em primeiro lugar, os talebans, portanto, os velhos donos do país. No dia 17 de fevereiro, o mulá Omar conclamou oficialmente todos os afegãos à fazer a guerra santa contra os EUA e contra o colaborador Hamid Karzai. Esse ressurgimento dos talebans preocupa. os talebans são numerosos entre os pashtuns, a tribo dominante do país. Ora, os pashtuns foram muito mal servidos no governo. Hamid Karzai os esqueceu e tratou muito bem os tajiques, os usbeques e os hazars. No mais, entre o população, os talebans guardam um certo prestígio, por conta do período em que dirigiam o país, antes da guerra, e o país estava em ordem. Hoje, essa ordem ruiu. O Afeganistão de Karzai é um caos. Tropas talebans já estão em ação. Pior: vários talebans estão prestes a retomar o serviço. Mas não são só os talebans. Há um terrível comandante militar, Gulbuddin Hekmatyar, que, ele também, mandou uma mensagem. No dia 22 de fevereiro, ele pediu a suas tropas para resistirem no caso de um ataque americano. Um outro Jihad. Durante a guerra contra os soviéticos, Hekmatyar foi um dos chefes mais poderosos, pois ele recebeu capitais e armas dos americanos, sauditas e paquistaneses. Esses dois apelos, ainda que não concomitantes, não são simples retórica. A insegurança aumenta. Tiros de canhão, emboscadas, campos minados e ataques contra tropas internacionais são constantes. Esses ataques, antes concentrados nas províncias do leste, estão se estendendo para outras regiões. As cidades de Ghazni e até de Cabul não são mais seguras. O comandante militar usbeque, o inquieto Rashid Dostum, escapou por pouco de um assassinato. Segundo a ONU, campos de treinamento foram reabertos nas províncias fronteiriças do Paquistão - o próprio Paquistão está condenado à morte pelos islâmicos. Em caso de guerra contra o Iraque, a agitação antiocidental, anticristã, ainda viva, aumentará de intensidade. Isso não significa que os talebans podem voltar ao trabalho. Isso quer dizer que impor a uma população uma ideologia, uma moral, uma política ou uma história contrária às suas fontes equivale aos doze trabalhos de Hércules de uma vez só. E isso porque trata-se de um único país e que foi assolado por uma guerra muito dura. O que dizer de aplicar a mesma vontade messiânica em todo o Oriente Médio?

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.