31 de outubro de 2015 | 02h32
Seu testemunho dá nova dimensão ao conflito que já matou 250 mil pessoas, deixou mais de 1 milhão de feridos e obrigou 12 milhões a deixar suas casas. Pelo menos 5 milhões de sírios, segundo Mardini, vivem hoje em áreas sitiadas. São cidades e povoados cercados pelas forças do governo ou por grupos de oposição, com acesso por estradas bloqueado por bombardeios constantes ou a presença de soldados e rebeldes, que impedem a passagem de itens básicos como forma de enfraquecer as forças oponentes.
Em Damasco e Alepo, capital e maior cidade síria, respectivamente, onde a distribuição de água depende do bombeamento por estações elétricas operadas por lados opostos do conflito, o corte no fornecimento tem sido usado com frequência como tática.
Tragédia. Em Zabadani e Madaya, vilarejos na área rural de Damasco controlados pelas forças do governo com o apoio do grupo libanês Hezbollah, e nas cidades de Foua e ?Kifraya, na província de? ?Idlib, no noroeste do país, sob controle de rebeldes, mulheres estão morrendo em casa de complicações no parto porque são impedidas de chegar a clínicas ou hospitais.
"Para a população civil, não faz a menor diferença quem está no controle. Em todas as áreas, sírios não estão morrendo somente dos efeitos diretos da guerra, mas porque são privados do básico, estão famintos ou expostos a água contaminada. Há indícios de surto de cólera, entre outras doenças. É uma situação alarmante."
O acesso das equipes de ajuda humanitária não era possível havia dois anos. A negociação da ONU envolveu levar o atendimento ao mesmo número de áreas controladas por lados opostos, mas em locais restritos e por poucas horas. "O atendimento médico não é percebido pelos vários lados lutando na Síria como ação humanitária, mas um meio de fortalecer o inimigo", diz Mardini. A maior parte do país continua inacessível.
Nas áreas sob controle do Estado Islâmico, onde vivem mais de 2,7 milhões de sírios, as organizações humanitárias têm poucas informações sobre as condições. "Conseguimos levar água a Raqqa e Der e-Zor, mas, infelizmente, nosso último acesso foi há mais de um ano."
A intensificação dos bombardeios, com o envolvimento militar da Rússia em socorro a Assad, e o envio de tropas americanas em ajuda aos rebeldes devem agravar as condições. "Estamos testemunhando uma escalada do conflito com a combinação de ataques aéreos e tropas terrestres em praticamente todo o país", diz Mardini. "E o campo de batalha está superlotado. Isso representa um desafio porque temos de negociar com múltiplos atores."
O que é mais alarmante na fala de Mardini é o descumprimento total das Convenções de Genebra e das leis humanitárias internacionais por todos os lados do conflito, hoje polarizado entre o bloco liderado pelos EUA, com Turquia, alguns países da União Europeia e petromonarquias do Golfo como Arábia Saudita que apoiam a oposição a Assad, de um lado, e o outro, liderado pela Rússia, com Irã, o governo de Bagdá e grupos como o Hezbollah, que defendem a permanência de Assad.
"O contexto da guerra na Síria nos tem mostrado dia após dia que as leis humanitárias internacionais estão sendo desafiadas por todos, com impacto devastador sobre civis". A lei é clara: prevê a proteção da população, proíbe o uso desproporcional da força e exige a distinção entre alvos civis e militares. "Isso não é negociável."
Mardini veio ao Brasil por dois dias para pedir ajuda política e financeira à Síria, como "país neutro". Mais de 90% do orçamento da organização vem de doações de governos, principalmente dos EUA, envolvidos nos conflitos.
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