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Guia para entender a tensão entre Índia e Paquistão pela Caxemira

Um vale montanhoso que faz fronteira com o Paquistão e a Índia tem sido o principal ponto de conflito entre os dois países, que possuem armas nucleares, desde a divisão da Índia britânica, em 1947

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Por Redação
Atualização:

A Caxemira, um vale montanhoso que faz fronteira com o Paquistão e a Índia, tem sido o principal ponto de conflito entre os dois países, que possuem armas nucleares, desde a divisão da Índia britânica em 1947. Na época da partição, os britânicos concordaram em dividir sua ex-colônia em dois países: o Paquistão, com maioria muçulmana, e a Índia, com uma maioria hindu. Ambas as nações cobiçam a Caxemira e ocupam porções dela com forças militares.

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Durante décadas, um impasse prevaleceu, quebrado por incursões militares ocasionais, ataques terroristas e repressão policial. Mas, na segunda-feira, o governo indiano decidiu incorporar permanentemente o território que controla ao resto da Índia.

Nesta segunda-feira, 5, o governo do primeiro-ministro Narendra Modi revogou o artigo 370 da constituição indiana, que coloca fim à autonomia constitucional da Caxemira, uma decisão explosiva na região que é cenário de uma insurreição separatista e cujo território é reivindicado pelos dois países. Entenda por que a mudança pode ser explosivo para os dois países vizinhos com armas nucleares e um longo histórico de conflito armado.

Índia e Paquistão disputam o controle da Caxemira desde a divisão do subcontinente em 1947 Foto: Amit Dave / Reuters

Por que Índia e Paquistão são rivais?

Em 1947, a súbita separação da área no Paquistão e na Índia levou milhões de pessoas a migrar entre os dois países e levou à violência religiosa que matou centenas de milhares de pessoas. O status de Jammu e da Caxemira, um Estado de maioria muçulmana no Himalaia que havia sido governado por um príncipe local, ficou sem ser decidido. Os combates eclodiram rapidamente, e ambos os países acabaram enviando tropas, com o Paquistão ocupando cerca de um terço do Estado e a Índia, dois terços.

O príncipe assinou um acordo para o território se tornar parte da Índia. A autonomia regional, que foi formalizada através do Artigo 370, foi uma resolução-chave. Apesar dos esforços das Nações Unidas para mediar a disputa da Caxemira, a Índia e o Paquistão continuam a administrar suas partes do antigo território principesco enquanto esperam obter o controle total. Tropas de ambos os lados da chamada “linha de controle” regularmente disparam uma contra a outra.

Militantes muçulmanos frequentemente recorreram à violência para expulsar as tropas indianas do território. O Paquistão apoiou muitos desses militantes, bem como terroristas que atacaram profundamente a Índia - a maioria brutalmente em uma matança de quatro dias em Mumbai em 2008, que deixou mais de 160 mortos.

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O que é o artigo 370?

O Artigo 370 foi acrescentado à constituição indiana logo após a divisão da Índia Britânica para dar autonomia ao antigo Estado principesco de Jammu e Caxemira até que fosse tomada uma decisão sobre o seu governo. Isso limitou o poder do governo central da Índia sobre o território. Um mecanismo legal deu aos legisladores estaduais o poder de decidir quem poderia comprar terras e ser um residente permanente - uma provisão que irritou muitos não-caxemires.

Embora tenha sido planejado para ser temporário, o Artigo 370 diz que só pode ser revogado com o consentimento do corpo legislativo que elaborou a constituição do Estado. Esse corpo se dissolveu em 1957, e a Suprema Corte da Índia decidiu no ano passado que o Artigo 370 é, portanto, uma parte permanente da constituição. O governo de Modi discorda e diz que o governante da Índia tem o poder de revogar o artigo.

Autoridades nacionalistas hindus apresentaram um decreto presidencial que suprime o estatuto especial do Estado de Jammu e Caxemira (norte), que estava garantido pela Constituição indiana. Na foto, apoiadores do partido governista indiano celebram decisão Foto: Rajesh Kumar Singh / AP

Por que o conflito entre Índia e Paquistão esquentou este ano?

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A causa imediata foi o atentado suicida de 14 de fevereiro por um jovem militante islâmico, que explodiu um comboio de caminhões que transportavam forças paramilitares em Pulwama, no sul da Caxemira.

Aeronaves indianas responderam a esse ataque voando para o Paquistão e disparando ataques aéreos perto da cidade de Balakot. O governo indiano alegou que estava atacando um campo de treinamento do Jaish-e-Mohammed, um grupo terrorista islâmico que reivindicou a responsabilidade pelo atentado.

No dia seguinte, caças paquistaneses e indianos entraram em confronto em território controlado pela Índia, e as forças paquistanesas derrubaram uma aeronave indiana - um antigo caça da era soviética MiG-21 - e capturaram seu piloto. Foi o primeiro choque aéreo entre os rivais em cinco décadas.

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O Paquistão devolveu rapidamente o piloto, aliviando as tensões diplomáticas. Mas Modi explorou uma onda de fervor nacionalista sobre o ataque de Pulwama como parte de sua campanha de reeleição que ajudou seu Partido Bharatiya Janata a obter uma vitória arrebatadora.

O primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, foi eleito no ano passado com o apoio dos poderosos militares de seu país, e ele quer mostrar que pode enfrentar a Índia, apesar de a economia de seu país estar tão fraca que ele pediu socorro à Arábia Saudita e à China. 

Por que um conflito entre os dois é perigoso?

Ambos possuem armas nucleares. Após um primeiro teste em 1974, a Índia realizou cinco novos testes em 1998. O Paquistão respondeu com seis. Tendo se tornado de fato a sexta e a sétima potências nucleares, os dois rivais atraem condenações e sanções internacionais.

Como começou o conflito entre Índia e Paquistão?

Quando o Reino Unido finalmente desistiu de sua colônia Índia em agosto de 1947, houve concordância em dividir o território em dois países: Paquistão, majoritariamente muçulmano, e Índia, de maioria hindu.

A separação repentina obrigou milhares de pessoas a migrarem entre os dois países e levou a uma violência religiosa que deixou milhões de vítimas. Inicialmente, Bangladesh fazia parte do Paquistão, mas conseguiu sua independência em 1971 após um curto confronto entre indianos e paquistaneses.

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Na época, não foi decidido o status de Jammu e Caxemira, um Estado majoritariamente muçulmano localizado nos Himalaias que vinha sendo governado por um príncipe local. Rapidamente foi desencadeado um conflito e os dois países enviaram tropas ao local, com os paquistaneses ocupando um terço do Estado e os indianos, dois terços.

Apesar de o príncipe ter assinado um acordo para o território passar a fazer parte da Índia, as Nações Unidas recomendaram posteriormente que fosse realizada uma eleição para deixar as pessoas decidirem. Esse pleito nunca aconteceu e os dois países continuam a administrar suas porções do antigo território enquanto esperam obter seu controle total. As tropas dos dois lados da "linha de controle" disparam regularmente umas contra as outras.

No final de 1989, os rebeldes muçulmanos lançaram uma insurgência separatista na Caxemira indiana, mais tarde recuperada por grupos islâmicos armados. Os dois Exércitos se enfrentaram no ano seguinte na região montanhosa de Kargil (Caxemira indiana). À beira de um quarto conflito em 2002, os dois rivais renovaram as relações diplomáticas em abril de 2003. Um cessar-fogo foi concluído, sem acabar com a guerra de guerrilha. No início de 2004, a Índia e o Paquistão iniciaram um processo de paz.

Forças de segurança da Índia montam guarda na fronteira com o Paquistão Foto: Prabhjot Gill / AP

Militantes muçulmanos recorrem com frequência à violência para expulsar tropas indianas do território. O Paquistão apoia muitos desses soldados, assim como terroristas que têm conduzido ataques na Índia. Em novembro de 2008, ações coordenadas em Mumbai mataram 166 pessoas. A Índia, que viu nisso a mão dos serviços de inteligência paquistaneses, interrompeu o processo de paz.

O diálogo foi retomado três anos depois, mas acabou enfraquecido por confrontos mortais nas fronteiras. Um novo episódio de tensão ocorreu após o sangrento ano de 2016 e um ataque em setembro liderado pelo Jaish-e-Mohammed contra uma base militar indiana na Caxemira. Nova Délhi respondeu com ataques a posições separatistas ao longo da linha de cessar-fogo.

Os Estados Unidos e outras potências globais se envolvem?

Em 22 de julho, Donald Trump hospedou Imram Khan na Casa Branca. Embora a reunião tenha se concentrado em como acabar com a guerra no Afeganistão, Trump disse a repórteres que Modi lhe pediu para ajudar a mediar a disputa na Caxemira. Khan recebeu bem seu envolvimento. O governo indiano negou qualquer pedido de mediação e há muito tempo insiste em negociações diretas com o Paquistão para resolver a disputa.

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Sob Trump, a política externa americana se afastou do Paquistão, um antigo parceiro americano, e se aproximou da Índia, que o governo vê como um baluarte contra a crescente influência da China na Ásia. A China, entretanto, tornou-se um aliado próximo e patrono financeiro do Paquistão. O governo chinês recentemente instou a Índia e o Paquistão a resolverem seus conflitos por meio de discussões bilaterais. A China compartilha uma fronteira com o Estado de Jammu e Caxemira, e a Índia e a China ainda não concordam com a linha de demarcação.

O que pode acontecer depois disso?

As mudanças constitucionais, emitidas por meio de uma ordem presidencial, podem enfrentar desafios legais. No ano passado, a Suprema Corte da Índia decidiu que o Artigo 370 não poderia ser revogado porque o órgão estadual que teria que aprovar a mudança deixou de existir em 1957.

"Minha opinião é que essa notificação presidencial é ilegal", disse ao New York Times Shubhankar Dam, professor de direito da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, e autor de um livro sobre a Caxemira. “A questão é de jurisdição: o governo da Índia tem o poder de fazer isso?"

O Paquistão, por sua vez, disse que vai "exercer todas as opções possíveis para combater as medidas ilegais" tomadas pela Índia. Os movimentos de Modi para integrar a Caxemira à Índia provavelmente serão populares em grande parte do país. Mas há um pânico generalizado na Caxemira, onde houve décadas de protestos contra o domínio indiano. /THE NEW YORK TIMES e AFP

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