Com a popularidade em baixa e diante de uma escassez preocupante de remédios e alimentos, o chavismo recorre ao cadastramento de eleitores para distribuição de comida como meio de pressão eleitoral, denunciam opositores e ONGs de direitos humanos. Ao Estado, a diretora para as Américas da Anistia Internacional, Erika Guevara, disse haver risco de uma crise humanitária em larga escala no país. A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone.
O governo venezuelano tem se negado a receber ajuda humanitária de outros países. Como vocês veem essa questão? A maior parte da população sofre com essa escassez de remédios e de alimentos, principalmente os mais vulneráveis. Investigações em hospitais mostram que a falta de remédios está levando a uma crise humanitária de grande envergadura. Os principais hospitais de Caracas estão quase em operação de guerra. E o presidente Maduro simplesmente nega a existência da crise e a possibilidade de receber ajuda.
O que está por trás da decisão do governo de vincular a doação de cestas básicas e vacinas às Clap (documento eletrônico que registra dados domiciliares e eleitorais)? O governo tem concentrado as doações por meio das Clap e, durante as eleições, quem se manifesta contra o governo não recebe alimentos. É uma maneira de pressão para que não se vote contra o chavismo
Há indícios de violação de direitos humanos na Venezuela, principalmente na repressão aos protestos contra o governo do presidente Maduro? Há diversos testemunhos e provas documentais de violações de direitos humanos. A Anistia Internacional documentou violações graves nessa onda de repressão como resposta do Estado às manifestações dos últimos meses. Situações graves deveriam ser sujeitas à análise de uma comissão internacional.
Quanto à questão dos refugiados que deixam a Venezuela rumo ao Brasil e à Colômbia, o que mais preocupa? Estamos investigando a situação do êxodo venezuelano pelo continente. O que sabemos, por meio da Acnur, é que há mais de 80 mil pessoas saindo da Venezuela por ano sem acesso a direitos básicos. Na Colômbia, há 300 mil venezuelanos que ali chegaram nos últimos meses.
E qual o nível de interlocução as ONGs de direitos humanos têm com o governo venezuelano? Bem, é uma relação complexa, pelo menos a nossa. Há um certo nível de diálogo, principalmente com o Ministério Público da procuradora-geral Luisa Ortega Díaz. No entanto, também sempre tivemos um bom contato com a Defensoria do Povo, que era dirigida pelo novo procurador-geral, William Saab.
Como vocês agem em relação aos presos políticos ? Lamentavelmente, nos últimos anos tem havido um cerceamento dos direitos - não só políticos – mas também econômicos e sociais na Venezuela. As detenções políticas arbitrárias têm um padrão preocupante. É uma perseguição desmedida, marcada pelo uso de tribunais militares para julgar civis. Isso preocupa muito, porque é uma ferramenta do governo Maduro para silenciar a oposição a seu governo.