'Há um alinhamento dos astros em favor da saída política para o conflito'

Ex-presidente colombiano diz estar otimista sobre acordo com as Farc e Unasul pode colaborar com etapa seguinte

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Por RENATA TRANCHES
Atualização:

O ex-presidente colombiano Ernesto Samper assumiu o cargo de secretário-geral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), no mês passado, no momento em que a região acompanha o que pode ser o desfecho de seu mais longo conflito armado – e a questão política mais importante no seu país. Para ele, as negociações de paz entre governo e Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em Havana, não deixam margens para contestação e ele se diz “racionalmente otimista”. Veja a entrevista que concedeu ao Estado:

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Quais suas impressões nesse primeiro mês à frente da secretaria-geral da Unasul? 

Primeiro, a região tem vivido um período relativamente bom. Há avanços importantes como, por exemplo, com relação à pobreza, que foi diminuída em cerca de 70 milhões de pessoas em dez anos. Além disso, a região tem crescido bem em termos econômicos, com índices acima dos mundiais, houve pouca recessão, o que é notável. Em terceiro lugar, ela conseguiu todo esses avanços sem sacrificar nossa democracia. 

E quais são seus planos? 

Certamente, nem tudo está pronto. E aí entram as propostas que estou fazendo para seu futuro. Estou propondo que a região se volte para três agendas. Uma delas, a social, tratando do tema da inclusão para reduzir a desigualdade. Outra, a agenda econômica, que seria lançada com o tema da competitividade, especialmente agregando valor ao que já temos. Finalmente, uma agenda política, focada na governabilidade. Devemos ter no fim do mês uma reunião com todos os organismos da Unasul, institutos e conselhos superiores para apresentar o que penso trabalhar no futuro. 

O sr. alertou recentemente para as críticas sobre divisões políticas e ideológicas que existem na região. Que críticas o sr. se referia?

A verdade é que há pessoas de fora da região que pensam que porque há posições distintas sobre a experiência de desenvolvimento na América do Sul é preciso existir uma espécie de divisão ideológica entre os países. Mas isso não está certo. Claro que há hoje dois grupos de países com visões distintas, mas esses grupos encontram-se em uma agenda política comum. Temos três articuladores para isso. 

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Quais são eles? 

Primeiro, a América do Sul tem sido uma região de paz nos últimos anos. Segundo, ela trabalha para o fortalecimento dos direitos humanos. E, terceiro, tudo isso é feito sem se sacrificar a democracia. Essa agenda política é muito mais importante do que o fato de haver duas visões distintas sobre o gerenciamento da economia.

O sr. fala sobre aqueles que se voltam para a aliança com o Pacífico e aqueles ligados à Alba? 

Exato. Eu entendo que a região pode buscar regionalismo econômico aberto e a integração política regional. Quero dizer que cada país tem direito de encontrar aliados dentro ou fora da região para fortalecer sua capacidade econômica. Assim, a Aliança para o Pacífico, (favorece) a Colômbia, o Chile e o Peru, o Brasil com os Brics, as alianças entre Venezuela e Equador, todas essas são associações legítimas, porque buscam fortalecer as competências e possibilidades de crescimento da região. Mas quando falamos sobre os temas de integração regional, particularmente os temas políticos de integração regional, existe uma unidade.

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Há dois aspectos importantes para a região atualmente, as negociações de paz na Colômbia e a recente crise na Venezuela. Começando pela Colômbia, como é a participação da Unasul nas negociações de paz? 

A Unasul está envolvida no processo de paz. Venezuela e Chile atuam como facilitadores do processo conduzido em Havana. Equador e Brasil devem acompanhar um processo que já está muito perto de se iniciar com o Exército de Libertação Nacional (ELN). Além dessa participação dos países do bloco, a Unasul está disposta a colaborar assim que se conclua a negociação em Havana, com as etapas que têm a ver com o pós-conflito. A partir do momento em que se obtenha o acordo de paz e termine o enfrentamento armado, a Unasul poderia colaborar, por exemplo, com o processo da verdade e da reparação. Já manifestamos ao governo e às Farc que se houver um convite da mesa de Havana para que a Unasul participe de outras etapas posteriores, creio que todos os países da Unasul estariam de acordo. 

Como ex-presidente da Colômbia, quais suas expectativas sobre o acordo? 

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Essa semana (há duas semanas), o presidente (Juan Manuel) Santos anunciou o acerto com as Farc para que todos os documentos da negociação sejam tornados públicos. Esse é um avanço histórico, um caminho que dá transparência ao processo. Temos de destacar duas circunstâncias particularmente importantes. A primeira é que nada está definido até que tudo seja discutido. O acordo não será realidade até que sejam abordados e negociados todos os pontos que estão previstos (na agenda). O segundo é que os acordos terão de ser submetidos a uma ratificação dos cidadãos. 

Que tipo de ratificação? 

Qual será o mecanismo, se será uma Assembleia Constituinte, um referendo ou uma consulta popular, isso ainda será decidido. Creio que o mais provável seja uma consulta popular. Depois disso, por qualquer que seja esse mecanismo constitucional, será necessária então a aprovação por parte do Congresso dos pontos subscritos em Havana que assim o requerem. Alguns serão diretamente implementados pelo governo. 

A oposição pode tentar barrá-lo? 

Estou racionalmente otimista com o processo em Havana. Parece que há uma espécie de alinhamento dos astros em favor dessa saída política para o conflito armado. Países como Venezuela e Cuba estão desenvolvendo um papel importante, os setores paramilitares têm se desmobilizado, há uma mudança nas condições de equilíbrio militar no conflito armado colombiano e todos esses são fatores a favor dessa saída política que está se buscando em Havana. 

Com relação à Venezuela, a oposição pediu sua ajuda para as negociações com o governo. Há neste momento uma atmosfera favorável ao diálogo? 

A Unasul está conduzindo um papel muito ativo na busca de um diálogo político entre os distintos setores da oposição ao governo. Há ainda três chanceleres - da Colômbia, Brasil e do Equador - que estão dispostos a colaborar a qualquer momento para que se estabeleça um diálogo entre oposição e governo. Tive oportunidade há alguns dias de conversar com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e encontrei uma boa disposição para reunir essas possibilidades na base dos setores que participam realmente das conversas e tenham vontade democrática de se sentar à mesa de negociação. E também há algumas pessoas da oposição que estão com a mesma disposição. Esse diálogo exige duas condições fundamentais. Primeiro, que seja discreto e não seja usado como recurso midiático para fortalecer posições de um lado ou de outro. E que seja concreto, com uma agenda específica com seus propósitos. Se houver condições e garantias para esse diálogo objetivo, o conselho de chanceleres da Unasul estará disposto a oferecer novamente uma mediação. 

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