Haia pede prisão de líder do Sudão

Tribunal Penal Internacional acusa Omar al-Bashir de crimes contra humanidade por massacres na região de Darfur

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Por Jamil Chade
Atualização:

O Tribunal Penal Internacional (TPI), corte autônoma mantida pela ONU e com sede em Haia (Holanda), emitiu ontem ordem de prisão contra o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, acusado de crimes contra humanidade e crimes de guerra durante o conflito na região de Darfur. É a primeira vez que o tribunal, criado em 2002, indicia e expede um mandado de prisão contra um presidente em exercício. Especial: histórico dos conflitos no Sudão A prisão de Bashir, porém, será uma tarefa quase impossível. O Sudão desafiou o TPI, garantiu que não entregará seu presidente e, em retaliação, cassou a licença de dez entidades de ajuda humanitária. A decisão tampouco conta com o apoio de grande parte da comunidade internacional (mais informações na página A14). O conflito em Darfur tem motivação étnica e tribal, e surgiu com o processo de desertificação da região, no início da década. Tribos nômades arabizadas começaram a invadir terras de agricultores que sempre viveram na região, de pele mais escura, em busca de água e pasto para o rebanho. Os agricultores reagiram e passaram a atacar os nômades, que se organizaram em milícias. Bashir é acusado de financiar e armar a principal milícia árabe, conhecida como Janjaweed. Segundo a ONU, o conflito deixou mais de 300 mil mortos e 2,7 milhões de refugiados - o Sudão alega que as mortes não chegaram a 10 mil. O tribunal aceitou as provas de que as ações do governo incluíam o bombardeio de vilas que depois eram invadidas por milícias apoiadas por Cartum. Os crimes ainda incluem perseguições, estupros em massa, tortura, assassinatos sumários e pilhagem contra grupos étnicos da região. O TPI, porém, não indiciou o líder sudanês por genocídio, como havia pedido o promotor Luis Moreno-Ocampo. Dois dos três juízes consideraram que os documentos não ofereciam base para mostrar a "intenção específica" de destruir uma população. A brasileira Sylvia Steiner, uma das juízas do caso, votou contra indiciar Bashir por genocídio. O governo sudanês declarou que o mandado de prisão faz parte de um plano "neocolonialista". Em entrevista ao Estado, o vice-ministro da Justiça, Abdoldaem Mohameain Ali Zomrawi, alertou que "todo o continente africano sabe que o TPI é um braço quase armado do Ocidente para enfraquecer governos independentes". Até hoje, apenas líderes africanos foram indiciados. "Bashir está sendo acusado porque não atendeu aos interesses dos países ocidentais e fez acordos com a China. Esse tribunal é político e não há qualquer sentido em respeitá-lo", afirmou. A partir de agora o TPI enfrentará o dilema de como fazer o mandado ser cumprido. A corte conta com um orçamento equivalente a 10% da polícia de Nova York e 80 países, alguns deles de peso, como os EUA, não aceitam sua competência. Ocampo alerta que, se o Sudão não entregar Bashir, o Conselho de Segurança da ONU deverá garantir o cumprimento da ordem de prisão. Para isso, forças internacionais teriam de invadir o país, algo considerado inviável. Hoje, há tropas de paz da ONU em Darfur, mas, por exigência de Bashir, apenas soldados africanos fazem parte dos batalhões. Outra possibilidade seria em uma eventual viagem de Bashir a outro país, onde poderia ser preso por forças locais. Mas o governo sudanês prepara uma estratégia de desmoralização do tribunal. Bashir planeja fazer viagens a países "amigos", como Egito, Líbia, Eritreia e Catar, com a garantia de que os governos não o entregariam à corte.

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