14 de dezembro de 2014 | 02h02
Quase cinco anos depois do terremoto de 2010, a reconstrução do que foi devastado no Haiti caminha lentamente - ao mesmo tempo em que acentua o contraste entre os cerca de 200 mil habitantes que integram a elite haitiana e o restante da população de 10 milhões. Em meio à miséria, aparecem bolsões de riqueza formados por algumas razões históricas e outras circunstanciais.
Na região mais desenvolvida e rica do Haiti, Pétion-Ville, o contraste pode ser explicado, por exemplo, pela exploração de nichos da economia por clãs tradicionais e a migração de haitianos para outros países.
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"A relação (do Haiti) com EUA e Canadá é muito forte. O Haiti vive justamente da remessa da diáspora (os emigrantes haitianos) e da ajuda internacional", explica o doutor em Relações Internacionais e ex-chefe do Escritório da OEA no Haiti, o brasileiro Ricardo Seitenfus. Os haitianos que podem viajar para esses países voltam ao Haiti depois de estudar em boas universidades - a estrutura educacional haitiana está em frangalhos - e passam a ocupar os melhores empregos em hotéis ou cargos estatais.
Outro fator que impede a redução da desigualdade é a falta de recursos do Estado para investimentos. De acordo com a ministra do Turismo, Stéphanie Balmir Villadrouin, empresas como as redes hoteleiras internacionais - que são as de melhor potencial de faturamento - recebem 15 anos de isenção fiscal e têm o processo desburocratizado para abrir seus negócios no país. Se serve para atrair empresas, a isenção inibe a arrecadação - faltam investimentos em setores como educação e saúde. O ministério defende a estratégia sob a alegação de que o setor cria empregos formais.
Na prática, o esforço de retomada econômica não supera os fatores que fazem do Haiti um país no qual poucas famílias dominam a economia e a maioria vive em miséria extrema.
Falta tudo. Hotéis e restaurantes de Pétion-Ville dividem espaço com barracas de lona e madeira e lixões onde crianças brincam com porcos e casas despejam o esgoto. Para funcionar, os locais recorrem a um sistema próprio ou obtido de empresas privadas para o tratamento de água e fornecimento de energia elétrica por geradores, objetos de um mercado lucrativo. No país, em geral, faltam 11 horas de luz por dia, segundo o embaixador brasileiro José Luiz Machado e Costa, que vive há quase três anos em Porto Príncipe. Nas ruas, os postes possuem um sistema de captação solar.
Estabelecimentos comerciais e mansões são "protegidos" por muros e homens armados, contratados de empresas particulares. Ao redor, haitianos vivem nas ruas pedindo esmola ou em barracos. Nas ruas, os tap-taps - veículos simples, com uma cabine na parte traseira, que transportam a maior parte da população - perdem espaço para carros importados, modelos jipes e SUVs. Na capital, já existem concessionárias de marcas como Land Rover e Audi.
A proximidade dos extremos também é uma consequência do terremoto de 2010, segundo a escritora haitiana Yanick Lahens. "Os que não têm nada estavam mais ou menos ocultos, seja atrás das casas dos que possuem ou nas favelas", afirma em seu livro Falhas. A haitiana explica que a criação de acampamentos causou uma "nova forma de ocupação do espaço público", aproximando geograficamente as diferentes classes.
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