Hamas surge da frustração palestina

Organização cresceu em meio ao desencanto com o governo corrupto do Fatah e se radicalizou sob o apelo religioso

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Por Roberto Simon
Atualização:

Com a guerra na Faixa de Gaza em sua terceira semana, analistas especulam não apenas sobre a capacidade de resistência militar do Hamas, mas sobre o futuro político do grupo. Para isso, a história da facção islâmica - do nascimento obscuro, em 1987, até a luta contra a maior potência da região, duas décadas depois - foi novamente colocada no centro do debate. A inviabilidade de uma aniquilação total do Hamas em Gaza, como reconhece o establishment militar israelense, é explicada pelo passado do grupo. O grupo foi criado a partir de uma mudança estratégica das facções islâmicas palestinas. Marginais na luta contra a ocupação desde a criação de Israel, em 1948, até a década de 80, os líderes religiosos recusavam-se a pegar em armas. Enquanto a OLP de Yasser Arafat dirigia a luta, a principal organização islâmica na região, a Irmandade Muçulmana, dizia que antes de fortalecer os "músculos" para a guerra, era preciso preparar a "alma". Sem a islamização da sociedade, a guerra fracassaria. O pensamento, porém, inverteu-se com a primeira intifada. Duas semanas após o início dos distúrbios palestinos, em dezembro de 1987, a Irmandade criou o Movimento de Resistência Islâmica - acrônimo para Hamas -, liderado por um carismático professor primário, o xeque Ahmed Yassin, e pelo pediatra Abdel-Aziz al-Rantissi. O grupo manteve sua atuação social, sobretudo a partir da educação religiosa, e acrescentou a ela o engajamento militar e político - a chamada "resistência". A mudança é explicada por uma disputa pela liderança do levante com a Jihad Islâmica, facção fundamentalista armada, criada em 1985. "Os dois grupos estavam fora da estrutura da OLP e houve uma competição para ver quem representaria os palestinos", afirmou por telefone ao Estado Yezid Sayigh, professor do King?s College, de Londres, e negociador palestino nos Acordos de Oslo. Em 1988, o grupo publicou sua carta de fundação, comprometendo-se com a jihad, a destruição completa de Israel, a criação de um Estado islâmico na região e recusando qualquer tipo de negociação internacional. "A terra palestina é uma dádiva às futuras gerações muçulmanas. Nenhuma parte dela será dividida nem cedida." Pouco antes da oficialização do Hamas, a cena política árabe havia sido profundamente alterada. Expulsa do Líbano por Israel, em 1982, a OLP estava isolada na Tunísia. No mesmo ano, israelenses deixavam o Sinai e eram reconhecidos pelo Egito. A principal evolução - e radicalização - na luta armada do Hamas, entretanto, ocorreu nos primeiros anos da década de 90. O grupo institucionalizou em 1991 uma ala militar, que deveria submeter-se ao comando político, mas sem informar o modus operandi e seus militantes, por razões de segurança. O braço armado é denominado Brigadas Ezzedine al-Kassam. Enquanto a OLP e Israel se reconheceram mutuamente nos Acordos de Oslo, em 1993, o Hamas reforçou seu compromisso com "resistência". A popularidade do grupo, porém, oscilou com o tempo. "Nos anos 90, quando as coisas iam bem, o apoio ao Hamas chegou a cair para quase 15%.", diz Sayigh. Em 1994, o comando do grupo passou a considerar civis israelenses alvos legítimos e iniciou os atentados suicidas. A tática seria ampliada na segunda intifada, em 2000. Israel respondeu com o aumento do cerco aos territórios palestinos e com os "assassinatos seletivos" de chefes da organização. Yassin, Rantissi e outros foram mortos pela aviação israelense. Confrontado com o esgotamento da segunda intifada, o Hamas decidiu participar de eleições pela primeira vez em 2004, mas foi derrotado pelo rival Fatah. Dois anos depois, o grupo venceu nas urnas e elegeu Ismail Haniyeh premiê da Autoridade Palestina, mas diante da recusa em aceitar Israel e abdicar da violência, não foi reconhecido por EUA, Israel e União Europeia. ISOLAMENTO O Hamas ficou ainda mais isolado após expulsar o rival Fatah de Gaza, em 2006. "O grupo matou dezenas e prendeu centenas de rivais para manter a ordem", afirma Eli Karmon, do Instituto de Contraterrorismo de Herzlia, em Israel. Quando a trégua de seis meses com Tel-Aviv expirou, no mês passado, Israel decidiu agir. "É fato que o Hamas hoje faz parte da sociedade de Gaza e, portanto, para eliminá-lo, seria preciso acabar com parte da população. Mas há dúvidas sobre o ambiente político dentro do grupo após a ofensiva israelense", afirma Nicolas Pelham, da ONG Crisis Group. Se o grupo não pode ser aniquilado, para Saygh, ele tampouco pode se tornar moderado. "O Hamas sabe que se for brando, alguns de seus membros irão embora para grupos mais radicais, provavelmente salafistas - como a Al-Qaeda. Assim, inevitavelmente, o Hamas deve se mostrar radical."

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