Hegemonia de Kadafi depende de Exército fraco

Ditador líbio enfraqueceu deliberadamente as Forças Armadas temendo um golpe, dizem analistas

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Por Hamza Hendawi e Associated Press
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Muamar Kadafi jamais confiou em seu próprio Exército. Por isso, o homem que lidera a Líbia há 42 anos manteve enfraquecidas as Forças Armadas do país para evitar qualquer desafio sério a seu regime. Com dinheiro e clientelismo, ele instalou pessoas fiéis em postos-chave, equipou milícias e armou "comitês revolucionários" que representam o último reduto de apoio a ele e a seus poderosos filhos. São estas forças que devem lutar por ele se o Exército regular decidir se voltar contra o governo. É por isso que ele conserva o controle sobre a capital, Trípoli, enquanto grandes partes do vasto território desértico fora da capital caem rapidamente nas mãos dos manifestantes contrários ao governo. Este é também o motivo pelo qual o levante na Líbia não seguirá o mesmo rumo das revoltas no Egito e na Tunísia, países onde um Exército organizado e disciplinado interveio, afastando os líderes autoritários e poupando a população de uma situação de caos ainda maior. Os levantes no Egito e na Tunísia - que fazem fronteira com a Líbia - levaram à deposição dos líderes num prazo relativamente curto. A situação na Líbia, por outro lado, já se mostra mais complicada e mortífera. Com Kadafi respondendo com força total e metade do território fora do controle do governo, este país norte-africano pode se fragmentar ou mergulhar numa sangrenta guerra civil. A Líbia apresenta muitas fissuras. O sistema tribal de lealdade é forte e pode decidir o destino do regime. Kadafi passou muitos de seus anos no governo consolidando o poder em torno de si. Assim, além de enfraquecer o Exército e fortalecer as milícias locais, ele usou as amplas reservas de petróleo e gás do país para cooptar as tribos. Kadafi privou seu povo de direitos básicos, reprimiu com mão de ferro todas as manifestações de dissidência e desperdiçou a riqueza da Líbia em países e tribos da África Subsaariana. O excêntrico líder também recorreu a mercenários estrangeiros para reprimir os manifestantes, e testemunhas em Trípoli e em outras cidades disseram que os combatentes de outros países africanos usados para conter os protestos disparam contra a população revoltada. Analistas dizem que o recrutamento de mercenários de países subsaarianos teve início nos anos 80 como programa secreto, mas sua presença na Líbia foi revelada nos últimos anos. Até o momento, o uso de força excessiva por parte de Kadafi o ajudou a manter o controle sobre Trípoli, mas a perda da região oriental da Líbia - rica em petróleo e nas mãos dos manifestantes desde o começo da semana - poderia levar a um impasse duradouro. Diferentemente de Hosni Mubarak, do Egito, e Zine al-Abidine Ben Ali, da Tunísia, que renunciaram por causa de levantes populares e evitaram uma situação de caos ainda mais generalizado, Kadafi prometeu lutar até a "última gota de sangue", pedindo a seus partidários que ataquem os manifestantes. O Conselho de Segurança da ONU condenou a repressão e exigiu que a violência contra civis chegue ao fim imediatamente. Manifestou também sua "indignação diante da repressão a manifestantes pacíficos", expressando seu profundo pesar com a morte de centenas de civis. A declaração sugere que a comunidade internacional ainda não crê que a situação na Líbia seja séria o bastante para motivar a declaração de uma zona de proteção internacional no leste do país, o anúncio de uma zona de exclusão aérea ou o estabelecimento de um limite que as forças leais a Kadafi talvez não ousassem ultrapassar. Mas a ideia pode ganhar força se Kadafi cumprir a promessa de resistir. O professor George Joffe, especialista em Líbia que leciona na Universidade de Cambridge, crê que Kadafi disponha de força militar suficiente para seguir lutando, com um grupo estimado em 120 mil homens que inclui milícias fortemente armadas e leais a ele, as quais seriam prejudicadas com a queda de seu regime. "Enquanto suas forças não forem afetadas por deserções, Kadafi pode resistir por quanto tempo quiser", disse. Os analistas disseram que Kadafi, que chegou ao poder em 1969 por meio de um golpe militar, negligenciou deliberadamente os 50 mil homens das Forças Armadas para limitar sua capacidade de derrubá-lo. Em vez disso, esbanjou nos gastos com armas e privilégios para as milícias leais a ele e a seus filhos. "O Exército foi deliberadamente mal equipado e mal treinado, sempre visto como ameaça ao regime", disse Charles Gurdon, especialista em Líbia e diretor administrativo da consultoria londrina Menas Associates. Henry Schuler, outro especialista, acrescentou: "Kadafi age para garantir que o Exército seja incapaz de se revoltar contra ele". Entre as táticas empregadas pelo ditador está a insuficiência deliberada no fornecimento de combustível a unidades de lealdade suspeita, assim como a dificuldade de acesso a munição de verdade, disse Schuler. Em se tratando de possíveis desfechos para a situação na Líbia, há muitos cenários possíveis. Uma luta até o fim, como ameaçou Kadafi, poderia ter como resultado um país ingovernável, dividido por fronteiras tribais ou regionais e com seus recursos energéticos inutilizados ou destruídos. Outra opção consiste na separação da região leste, tornando-se uma região autônoma semelhante àquela estabelecida nas áreas de maioria curda no Iraque após a Guerra do Golfo, de 1991."Como alternativa, a comunidade internacional pode oferecer a Kadafi uma saída ao garantir imunidade para o ditador e sua família, fazendo com que deixem o país" e evitando assim mais derramamento de sangue, disse o especialista líbio Saad Djebbar./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL PONTOS CHAVEMilitaresDepois de dois caças líbios aterrissarem em Malta e seus pilotos solicitarem asilo político, militares da Líbia passaram a demonstrar apoio aos rebeldes no leste do paísMinistrosO ministro da Justiça, Mustafa Jalil, deixou o governo. 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