Herdeiro saudita acelera processo para ocupar trono

Mohammed bin Salman tira de cena seus adversários e pavimenta caminho para comandar reino sunita, mas corre o risco de revanche

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Por Rodrigo Turrer
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A rápida ascensão do príncipe Mohammed bin Salman, herdeiro do trono saudita e filho preferido do rei Salman, de 82 anos, tem sido estrepitosa como a ardah, tradicional dança folclórica saudita em que homens enfileirados pulam e empunham espadas ao rufar de tambores.

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Com ar afável e um sorriso perene no canto da boca, Bin Salman saiu do anonimato em 2015 para se tornar a nova cara da Arábia Saudita, um país que tenta ser inovador, em nada parecido com o reino geriátrico, governado por príncipes sexagenários.

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O rei Salman (à esq.), e seu filho favorito,Mohammed bin Salman, aos 33 anos, o herdeiro do reino saudita Foto: Saudi Press Agency/Handout via REUTERS

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Nos últimos meses, a lufada de ar fresco no reino saudita se tornou um tufão difícil de controlar. Em três anos, MBS, como gosta de ser chamado, encampou uma agenda modernizadora controvertida, que inclui mais liberdade para as mulheres e abertura de estatais sauditas. 

Com o apoio irrestrito do provecto rei Salman, o príncipe de 32 anos dizimou potenciais inimigos e adversários. Em seu último movimento, deu um xeque em todos aqueles que se opunham a sua rápida ascensão. Nomeado presidente de uma comissão para investigar corrupção, MBS mandou prender 11 príncipes, 4 ministros e mais de 30 ex-ministros – todos seus parentes, em maior ou menor grau. Foram ao menos 201 presos, e quase US$ 800 bilhões confiscados de 1.700 contas bancárias ligadas aos envolvidos.

A prisão que chamou mais atenção no Ocidente foi a do bilionário Alwaleed bin Talal, de 62 anos, sobrinho do rei saudita e 45.ª pessoa mais rica do mundo. 

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Dentro da hierarquia da família saudita, entretanto, outras prisões impressionam mais. Principalmente a do Almirante Abdullah Bin Sultan, comandante das Forças Navais sauditas, e a do chefe da poderosa Guarda Nacional, o príncipe Miteb Bin Abdullah. A Guarda Nacional é um dos três braços das Forças Armadas sauditas. Ao contrário dos outros ramos, ela deve lealdade apenas à Casa de Saud, a família real saudita, e serve para proteger os governantes de levantes e golpes de estado. 

Bin Abdullah e Bin Sultan são filhos do rei Abdullah, morto em 2015. Para não haver uma briga fratricida na ocasião, o Conselho de Príncipes sauditas dividiu o poder entre três clãs principais: os do rei Salman, e seu filho MBS; o do príncipe Nayef, cujo filho também foi preso; e os dois filhos do rei morto, Sultan e Abdullah. Salman ficou com o trono – e aos poucos deixou MBS comandar o show. Bin Abdullah e Bin Sultan também eram cotados para assumir posto de príncipe herdeiro. 

A sede de poder do jovem príncipe, no entanto, o levou a alguns erros estratégicos. “O projeto de modernização fez com ele entrasse em confronto com clérigos ultraconservadores, que torcem o nariz para essa abertura comportamental”, afirma Bilal Saab, do Middle East Institute. 

É de MBS a ideia de permitir que as mulheres possam dirigir e frequentar estádios. É dele também o projeto Visão 2030, que pretende criar uma espécie de Zona Franca no meio do deserto, um oásis com hotéis de luxo e empresas de tecnologia – e livre da rigidez da sharia, a lei islâmica.

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Geopolítica

Piores foram os descuidos de MBS no front externo. Ele já deixou claro que o Irã é o inimigo mortal da Arábia Saudita – e, na opinião dele, do Oriente Médio. Desde que se tornou o governante de fato do país, ele tem feito tudo para combater a expansão do Irã. No processo, a Arábia Saudita teve derrotas, como no caso da Síria e do Iêmen, e gastou dinheiro. O país enfrenta uma crise fiscal que obrigou o governo a cortar US$ 100 bilhões em gastos em 2017, e pegar emprestado no mercado ao menos US$ 300 bilhões. 

Em razão destes desafios, a insatisfação com MBS aumenta. “Desde maio havia informações de que poderia haver algum tipo de insurreição na Casa de Saud em razão do excesso de poder de MBS”, diz As’ad Abu Khalil, professor de ciência política na California State University. “O que ele fez foi contragolpear e cortar a cabeça da cobra. As cabeças, no caso.”

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A história da perseguição de corruptos que perpetraram crimes financeiros por décadas serviu bem aos propósitos do rei Salman e de MBS, mas não é a história toda. “O que MBS fez pode ser descrito como a maior revolução dentro do reino saudita desde que Ibn Saud conseguiu reunir os líderes tribais para construir um país”, afirmou Simon Henderson, especialista na Região do Golfo do Washington Institute for Near East Policy. “Ele jogou pela janela a tradicional cautela para a criação de consenso na busca pela liderança. Não duvido que, depois da morte do rei Salman, haja algum levante contra ele.”

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A ação, no entanto, não foi intempestiva. Desde o começo do ano, MBS vem colocando em cargos-chave do reino jovens príncipes, na faixa dos 20 aos 40 anos. Todos receberam governos de províncias ricas e importantes, cargos ministeriais e chefias de embaixadas em países aliados. Todos eles são descendentes diretos de Ibn Saud, o criador do Estado saudita.

Saud tinha 45 filhos e centenas de netos quando morreu, em 1953. Não consta da lista de MBS nenhum parente do rei Abdullah nem do rei Fahd, os dois últimos ocupantes do trono saudita. Também não estão na lista os herdeiros do príncipe Ahmed bin Abdulaziz, um dos únicos a votar contra a nomeação de MBS ao posto de herdeiro do trono no Conselho de Príncipes sauditas. 

“MBS seguiu à risca o adágio: dividir para conquistar”, diz Simon Henderson, do Washington Institute for Near East Policy. “Tradicionalmente, o sucesso de um transição depende da aceitação e do apoio da maior parte da família real saudita. Mas a impaciência e a ambição de MBS sugerem que isso não é uma opção. A autoridade dele vai ter como base o apoio dos príncipes que ele nomeou.”

Com um modelo de reino tão complexo e sectário, com base na confiança de dezenas de clãs e outra centena de líderes tribais, é difícil saber se a estratégia de MBS vai dar certo – ou se será mais um fator de instabilidade no caldeirão de conflitos do Oriente Médio.

Para entender

Príncipe quer sufocar o Irã

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Há um fator comum em todos os conflitos que assolam o Oriente Médio, seja no Iraque, no Líbano, na Síria ou no Iêmen: a ferrenha rivalidade entre Irã e Arábia Saudita. Os dois países se tornaram inimigos viscerais depois que a Revolução Islâmica de 1979 instaurou no país uma teocracia xiita. A expansão do regime dos aiatolás levou a Arábia Saudita a usar seu poder para impedir o domínio regional do rival. Por décadas, essa rivalidade inflamou a violência em regiões já atormentadas pela guerra e criou novas zonas de conflito. O confronto direto, no entanto, nunca ocorreu. 

Com a ascensão de Mohammed Bin Salman e sua ambição de tornar a Arábia Saudita a potência hegemônica no Oriente Médio, Riad intensificou o patrocínio de Estados sunitas com populações xiitas, caso do Bahrein e do Iêmen, e apoiou milícias sunitas que lutam contra regimes apoiados pelo Irã, caso da Síria. A luta pela influência regional tende a aumentar, conforme MBS ganhe mais poder. Em entrevistas recentes, MBS já deixou claro que não acredita na coexistência dos dois Estados. Ao New York Times, em maio, ele disse: “Como é possível conversar e negociar com um Estado que prega uma ideologia extremista e quer espalhar sua visão do Islã pelo Oriente Médio?”

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