11 de junho de 2014 | 00h24
WASHINGTON - No livro de memórias sobre seus quatro anos como secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton narra sua frustração com a insistência do Brasil em buscar um acordo sobre o programa nuclear do Irã, defende o fim do embargo econômico a Cuba, elogia os avanços sociais da América Latina e diz admirar e gostar da presidente Dilma Rousseff, a quem chama de “líder formidável”.
Lançado na terça-feira, 10, com uma megacampanha de marketing, Hard Choices (Escolhas Difíceis) aumentará ainda mais a visibilidade de Hillary, nome preferido dos democratas para suceder a Barack Obama em 2016. O tour para promoção do livro é visto como o aquecimento do possível embate eleitoral, mas a ex-secretária de Estado disse que só tomará uma decisão sobre a candidatura em 2015.
As vendas serão observadas com atenção pelos analistas políticos, que consideram um resultado fraco um prenúncio de problemas para Hillary. Mas, por enquanto, os dados estão a seu favor. Antes mesmo de chegar ao mercado, Hard Choices já tinha vendido 1 milhão de cópias.
A foto de Hillary e Dilma na posse da presidente brasileira, em 2011, é uma das imagens que ilustram o livro. “Ela pode não ter a bravata colorida de Lula ou o conhecimento técnico de (Fernando Henrique) Cardoso, como alguns observadores argumentam, mas tem forte intelecto e verdadeira coragem, duas características necessárias para os líderes nesses tempos desafiadores”, escreveu, comparando Dilma a seus antecessores.
Nos quatro anos em que comandou a diplomacia americana, Hillary disse ter tido uma relação construtiva e momentos de frustração com a política externa do Brasil, que se tornou cada vez mais assertiva no governo Lula. A maior fonte de atrito foi a tentativa de Brasil e Turquia de fechar um acordo sobre o programa nuclear iraniano quando o Conselho de Segurança da ONU estava prestes a aprovar sanções contra o país. O acordo, que terminou ignorado pela ONU, foi anunciado dois meses depois de Hillary ter se reunido com Lula, em Brasília, para dissuadi-lo da negociação.
Na véspera da viagem de Lula a Teerã, Hillary telefonou para o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, na tentativa de convencê-lo a abandonar a negociação. Diante de sua determinação, ela disse ter reagido de maneira exasperada: “Tem de haver um fim para esse processo”.
Depois do anúncio do acordo, em Teerã, Hillary se concentrou em manter as conversas para adoção das sanções. Em viagem a Pequim, ela discutiu a relevância da estabilidade no Oriente Médio com Dai Bingguo, que era responsável pela política externa no Conselho de Estado. “No fim, eu fui dura. ‘Isso é importante para nós’, eu disse a Dai. Se nós vamos construir uma relação de cooperação, como os presidentes Obama e Hu (Jintao) prometeram, então precisamos que a China esteja conosco no Conselho de Segurança.”
Arestas finais foram aparadas em um encontro de Hillary e o então embaixador da China nos EUA, Zhang Yesui. Ambos estavam em Lima, para uma reunião da OEA e se encontraram no bar do hotel onde ela estava hospedada. “Lá, com coquetéis peruanos, chegamos a um entendimento sobre sanções.”
No ano anterior, China e EUA tinham protagonizado um dos mais bizarros episódios da diplomacia mundial, durante a cúpula sobre mudança climática, em Copenhague. Obama defendia a necessidade de os dois países - os maiores poluidores do mundo - chegarem a um acordo sobre corte de emissões. Quando descobriram que o então premiê da China, Wen Jiabao, havia convocado uma reunião “secreta” com seus colegas de Brasil, Índia e África do Sul, Obama e Hillary decidiram invadir o encontro.
Seguranças e funcionários chineses tentaram evitar o avanço da dupla, mas ambos conseguiram entrar na sala. “Na comoção, o presidente passou pela porta e gritou ‘Sr. premiê!’ realmente alto, o que chamou a atenção de todos”, lembrou Hillary. “‘Vocês estão prontos?’, disse Obama, dando um grande sorriso. Agora, as reais negociações poderiam começar.”
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