Hla Hla Yee é a voz das mulheres estupradas e agredidas em Myanmar

Advogada se envolveu há mais de uma década na causa feminina; com amigos, fundou associação para assistir juridicamente os mais vulneráveis

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Por Redação
Atualização:

As autoridades de Myanmar dizem que os estupros no país são escassos e que a violência conjugal não existe. Mas a realidade é que o abuso contra mulheres é tão enraizado na sociedade que é tolerado e subestimado, lamenta a advogada e ativista Hla Hla Yee.

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Usando um vestido tradicional branco, Hla Hla Yee fala com firmeza. Aos 38 anos, a advogada se envolveu há mais de uma década na causa das mulheres de seu país, governado durante dezenas de anos por ditaduras militares dominadas por homens. 

Em 2011, fundou junto a uma dezena de amigos juristas uma associação para assistir juridicamente os mais vulneráveis, começando pelas mulheres.

"Queria que as mulheres se sentissem mais fortes e para isso era necessário que conhecessem seus direitos", explica.

Refugiadas de Mianmar no campo Kutupalong, em Bangladesh; advogada Hla Hla Yee fundou em 2011 uma associação para assistir juridicamente os mais vulneráveis, começando pelas mulheres Foto: Adam Dean/NYT

Em Myanmar, maior país do sudeste asiático, com 55 milhões de habitantes, "a violência doméstica ainda é um assunto familiar. A polícia não faz nada, mesmo que uma denúncia seja feita", diz Hla Hla, diretora da ONG Legal Clinic Myanmar (Consultas Jurídicas de Myanmar).

Pelo menos uma em cada cinco mulheres sofre abusos do companheiro, segundo um estudo oficial de 2016.

E cada vez mais os estupros são notificados, especialmente de menores de idade, afirma Hla Hla Yee. 

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Em 2017, as estatísticas oficiais mostravam 1.405 estupros, contra 1.110 em 2016, uma alta que pode estar vinculada também com uma consciência maior.

Mas sem dúvida os números ainda estão muito abaixo da realidade.

Vítimas marginalizadas

Apesar disso, Myanmar se comprometeu há muito tempo a defender os direitos das mulheres.

E a chegada ao poder do novo governo após eleições livres organizadas em 2015, com a líder Aung San Suu Kyi à frente, gerou muita esperança.

Mas a sociedade birmanesa continua profundamente marcada pelo patriarcado e não consegue superar seu atraso.

Ainda não existe uma lei específica contra a violência doméstica e o estupro conjugal é passível de apenas dois anos de prisão.

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Já o estupro fora do casamento tem pena de 20 anos de prisão ou prisão perpétua, quando a vítima tem menos de 12 anos. Apesar disso, "os autores cumprem muito raramente as penas completas" e algumas vezes escapam da justiça, já que se chega a um acordo com a família até mesmo sem consultar a vítima, lamenta Hla Hla Yee.

Nos poucos casos em que o agressor é julgado culpado, as mulheres são sistematicamente marginalizadas, diz.

Em 2019, o estupro de uma menina de dois anos provocou um escândalo no país, e milhares de pessoas se manifestaram pedindo o esclarecimento do crime. Mas foi em vão.

Abusos sexuais "sistemáticos"

O estupro é utilizado também no país como arma de guerra. 

A ONG Human Rights Watch denunciou em 2017 os abusos sexuais "sistemáticos" cometidos por soldados birmaneses contra mulheres muçulmanas da minoria rohingya.

Em 2017, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também publicou uma pesquisa realizada entre 204 refugiados rohingyas que fugiram da violência. Segundo o estudo, 24% das mulheres entrevistadas disseram terem sido vítimas de estupro.

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"As mulheres e os meninos são os primeiros concernidos por essa violência", diz Hla Hla Lee.

Para a advogada, defender os mais vulneráveis é uma vocação que remonta à sua infância. Ela, menor de nove irmãos em uma família de agricultores, nasceu no Estado de Rakhine (oeste), um dos mais pobres do país e cenário de tensões étnicas e religiosas.

"Desde muito pequena fui confrontada com a injustiça", explica.

Vigiada por seus colegas homens, ameaçada pelas autoridades, se deu conta que "não podia atuar sozinha, era necessário uma equipe".

Menos de 10 anos depois de sua criação, sua ONG tem 10 escritórios no país e mais de 70 funcionários, e as mulheres ocupam a maioria dos cargos de responsabilidade. /AFP

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