Homenagem nos EUA marca distância entre união pós-11/9 e divisão atual

Polarização é lembrada em dia de homenagens às 2.977 vítimas de ataque que uniu os americanos

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Por Beatriz Bulla
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“No dia seguinte ao atentado, todos os americanos se uniram. Aquilo foi incrível. E eu esperava que isso fosse continuar mais a cada ano, em vez de sermos tão divididos sobre tudo.” O desabafo é do capitão Dave Hood, de Utah, que viajou 3,1 mil quilômetros até Nova York para homenagear neste sábado, 11, as 2.977 vítimas dos ataques com aviões praticados pela Al-Qaeda há 20 anos.

O contraste entre o sentimento agregador presente após ao maior ataque em território americano e a polarização recente foi citado por cidadãos e políticos ontem, data em que uma Nova York ensolarada, como em um 11 de setembro há 20 anos, voltou a concentrar a atenção do mundo. 

Ex-presidentes dos Estados Unidos participam de cerimônia em memória das vítimas do 11 de Setembro com Joe Biden. Foto: Chip Somodevilla/EFE

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No marco zero de Manhattan, estiveram o presidente Joe Biden, a primeira-dama, Jill Biden, e os casais Barack e Michelle Obama e Bill e Hillary Clinton. O local ficou conhecido como o complexo do novo World Trade Center, onde estão as duas grandes fontes com placas de metal onde os nomes das vítimas estão gravados. 

Às 8h46 da manhã, horário em que o avião bateu na primeira torre do World Trade Center em 2001, os presentes fizeram um minuto de silêncio. O ato se repetiu outras cinco vezes, para marcar o choque do segundo avião, o ataque ao Pentágono, a queda do avião na região de Shanksville, na Pensilvânia, e a queda das duas torres em Nova York. No meio tempo, duplas de familiares leram nomes das vítimas do atentado que mudou a história recente americana. Pela cidade, militares nas estações de metrô indicavam que 20 anos depois a data desperta medo e vigilância.

O ex-presidente Donald Trump preferiu uma visita aos prédios da polícia e dos bombeiros nova-iorquinos, no meio da tarde, quando Biden já tinha saído da cidade. Trump atacou seu sucessor pela estratégia de retirada de tropas do Afeganistão. “Este é um dia muito triste”, disse o ex-presidente, acrescentando que o 11 de Setembro “representa uma grande dor para o (seu) país”. “É também um momento triste pela forma como a nossa guerra contra aqueles que causaram tantos danos ao nosso país terminou na semana passada”, continuou.

KAMALA Na Pensilvânia, a divisão da sociedade americana foi lembrada pela vice-presidente, Kamala Harris e pelo ex-presidente republicano George W. Bush. Kamala exaltou a união após os atentados, mas lembrou que o medo foi responsável por dividir ainda mais os americanos. “Fomos lembrados de que a unidade é possível nos EUA. É essencial para nossa Segurança Nacional e para nossa posição diante do mundo. E com unidade não quero dizer uniformidade. Ao mesmo tempo, vimos depois do 11 de Setembro como o medo pode ser usado para dividir nossa nação. Vimos como muçulmanos se tornaram alvos pela sua aparência”, disse a vice.

Bush afirmou que “nas semanas e meses que se seguiram aos ataques” sentiu “orgulho de liderar pessoas resilientes e unidas”. “Quando se trata de unidade nos EUA, aqueles dias parecem distantes”, afirmou o republicano. “Para mim, essa é a lição central do 11 de Setembro: união é nossa maior força”, disse Biden, também na Pensilvânia.

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Na véspera da eleição do ano passado, pesquisa do instituto Pew Research mostrou que eleitores democratas e republicanos não costumam dialogar: 8 em cada 10 americanos dizem que têm nenhum ou apenas “alguns” conhecidos que votariam em um candidato diferente. 

LEMBRANÇAS O advogado Andrew Dell’Ollio nasceu e cresceu no centro de Manhattan e sentiu os tremores no chão da sua rua quando a primeira torre do World Trade Center desabou. “Pareceu um pequeno terremoto”, conta. O nova-iorquino ainda vive a poucos quarteirões do local do atentado e, 20 anos depois, como outros que passaram pelo memorial em homenagem às vítimas neste sábado, se divide entre o luto e o balanço das últimas duas décadas.

“Vim para lembrar os cidadãos inocentes que morreram no ataque. E na verdade muitos inocentes morreram também nas guerras, cidadãos do Afeganistão e do Iraque”, afirma. “A política externa do país...Foi necessário invadir o Afeganistão, mas não foi necessário invadir o Iraque. Acho que hoje em dia muitos americanos concordam comigo”, pondera o advogado, que ficou de fora do local onde autoridades e parentes das vítimas se reuniram ontem em Manhattan. 

Franki Esposito é da geração que mal se lem<CW10>bra do 11 de Setembro. Ela tinha quatro anos quando ouviu o choro de sua mãe na sala. Um tio e um primo de Franki eram bombeiros e morreram nos atentados. Desde então, a família inteira vai anualmente à cerimônia de homenagem das vítimas. Este ano, ela diz, o evento cresceu em tamanho e importância. “Tanto por ser o 20.º aniversário, como porque ano passado não pudemos vir, em razão da pandemia”, afirma. 

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Wanda Ortiz estava no caminho para o trabalho quando soube que um avião tinha colidido em uma das torres do World Trade Center, onde seu marido trabalhava. A Aeronave bateu entre os andares 93 e 99. O marido dela trabalhava no 92.°. Os olhos ainda enchem d’água quando ela pensa naquele dia. “Vinte anos. Sei que parece que foi há muito tempo, mas para nós sinto como se fosse ontem. Fica cada vez mais difícil”, diz, ao lado da sua mãe, que carrega uma foto do genro morto, e das duas filhas que eram bebês na época. 

De lá para cá, ela ainda carrega a sensação de insegurança. “Ainda há muito mais o que melhorar em segurança, do que já foi feito nos últimos anos. Eu sei que eles fazem o melhor que podem para nos proteger, mas é preciso manter a vigilância porque nunca se sabe se vamos viver um ataque daquele de novo.”

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