Hora de o Brasil mudar seu voto sobre o Irã

Manter a mesma posição dos últimos anos na Assembleia-Geral da ONU reforça mensagem de 'carta-branca' para violações

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AnáliseNos próximos dias, a Assembleia-Geral da ONU votará uma resolução solicitando ao governo iraniano o fim das sistemáticas violações de direitos humanos cometidas pelo regime. Neste ano, o Brasil tem a chance de reconsiderar seu voto de anos anteriores, sob o risco de reforçar uma mensagem de "carta-branca" a anos de abusos. A relação Brasília-Teerã merece uma análise complexa, mas quando se trata de direitos humanos, espera-se do Brasil uma política externa guiada por princípios.Por um lado, a presidente Dilma Rousseff promoveu melhorias parciais na posição brasileira sobre a situação dos direitos humanos no Irã ao apoiar, em 2011, a criação de um posto de Relator Especial das Nações Unidas no Conselho de Direitos Humanos para documentar e denunciar as violações no país e ao expressar apoio à renovação de seu mandato, em 2012. Por outro lado, Dilma manteve a prática de seus antecessores e não apoiou, no ano passado, uma resolução na Assembleia-Geral sobre a questão. Desde 2001, com exceção de 2003, o Brasil vem se abstendo diante de tais resoluções, apesar de elas vocalizarem a preocupação internacional diante do agravamento da crise de direitos e liberdades no país e da falta de cooperação do governo iraniano com o sistema das Nações Unidas.A questão é: por que a presidente Dilma daria ao governo iraniano um sinal verde para continuar cometendo as largamente documentadas violações? Afinal, será que a situação melhorou no Irã? Certamente não.O relator especial da ONU para o Irã produziu três relatórios abrangentes, nos últimos dois anos, descrevendo "um padrão chocante de violações". Ele documentou centenas de casos de tortura, uma cultura generalizada de impunidade e um número exorbitante de execuções, que custaram a vida de 670 pessoas apenas em 2011. Isso torna o Irã o país que mais executa no mundo em termos per capita, estando apenas atrás da China em números absolutos. Omissão. O Brasil não está fazendo nenhum bem ao povo iraniano ao não colaborar com iniciativas multilaterais que busquem o fim das violações. A repressão do governo iraniano a dissidentes políticos, jornalistas, ativistas dos direitos das mulheres, trabalhadores e minorias criou uma situação muito instável e perigosa no Irã.Enquanto a situação permanecer grave e sem sinais de melhora, o Brasil e a comunidade internacional têm o dever de exigir, em alto e bom som, o fim imediato das violações. Isto é fundamental não apenas por refletir a realidade, mas também para apoiar outros esforços multilaterais, como o trabalho do relator especial da ONU, que pode contribuir para a superação da crise de direitos humanos. Atualmente, o caso da prisioneira política Nasrin Sotoudeh deveria ser um lembrete incômodo a Dilma, ex-presa política e vítima de tortura, ela própria. Sotoudeh, de 45 anos, é advogada e está cumprindo uma sentença de 6 anos de prisão apenas por haver defendido seus clientes, a maioria deles ativistas de direitos humanos.Em 17 de outubro, Sotoudeh começou uma greve de fome para protestar contra maus-tratos e a negação de diversos direitos. Como uma potência emergente e democrática, o Brasil tem a responsabilidade de demonstrar seu compromisso com as normas internacionais de direitos humanos.A próxima votação sobre o Irã na Assembleia-Geral pode dar indicativos muito fortes nesse sentido. Uma liderança real e sólida deve estar enraizada em princípios. Outra abstenção, considerando a falta de melhora da situação no terreno e o fato de o governo iraniano ter rejeitado, até agora, os apelos das Nações Unidas, levantaria dúvidas sobre o que faz pender a balança do governo brasileiro em favor de todas essas abstenções.Atenção externa. Já passou da hora de o Brasil tornar evidente que os direitos humanos de todos, inclusive dos iranianos, não são negociáveis. Os olhos do povo iraniano, brasileiro e da comunidade internacional estão voltados para o Brasil, na expectativa de conhecer o quanto o País está comprometido, como ator global, a promover e proteger os direitos humanos em sua política externa.

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