Hospital lotado abriga rebeldes e kadafistas

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Por Andrei Netto
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Cerca de 5 metros separam os leitos de Mohamed Hasin, de 31 anos, e Ahmed Hayadi, de 20, no superlotado Hospital Central de Trípoli. O primeiro, ferido por uma bala ainda alojada em seu abdômen, é rebelde. O segundo, que se recupera de ferimentos provocados por estilhaços, é militar kadafista. Ambos convivem lado a lado no maior centro hospitalar do país, para onde estão indo feridos e mortos dos conflitos na Líbia.Segundo estimativas do Conselho Nacional de Transição (CNT), mais de 20 mil pessoas morreram desde fevereiro na mais sangrenta das revoluções em curso no mundo árabe. Parte das vítimas - de ambos os lados - está registrada em uma lista de cerca de uma centena de linhas pregada em um pilar na entrada do Hospital de Trípoli, o mesmo em que trabalhava Hana, a filha de Muamar Kadafi, até o último domingo.Nas salas de trauma, uma multidão se aglomera à espera de atendimento. O chão está manchado de sangue e tem uma fina camada de água barrenta. Enquanto espera para se submeter a uma operação para retirar o projétil, alojado próximo do pulmão, Hasin caminha pelos corredores e conta histórias do front. Mostra a foto do cadáver de seu irmão mais jovem, Osama, de 30 anos, morto há dois meses em Trípoli. E um vídeo que fez de outro corpo, o de seu algoz, um militar, franco-atirador.Apesar de tanta violência, ele está animado e seu discurso é otimista. "Estou muito feliz", afirma, arriscando poucas palavras em inglês. "Meu país se livrou de Kadafi. A Líbia é muito rica, mas cheia de pessoas estúpidas. Kadafi era o mais estúpido deles e vivia cercado de estúpidos." O rebelde não parece se incomodar com a presença de Hayadi, ferido em combate em uma fazenda do oeste da Líbia, próxima a Nalut. O jovem soldado, leal ao ditador, agora lamenta o conflito e diz que seu país ficará melhor sem o ditador. "Não gosto de Kadafi, mas o Exército era o meu trabalho", justificou. "Peço a Deus para puni-lo."Cercado de apoiadores da revolução e em uma cidade controlada por rebeldes, Hayadi diz ser bem tratado. "Agradeço aos rebeldes e aos médicos pelo tratamento", disse. Hayadi não é o único no Hospital de Trípoli com passagem pelas forças leais a Kadafi. O cirurgião Jamel, de 46 anos, diz que eles chegam às dezenas. "Muitos creem que esta é uma guerra do Ocidente contra a Líbia, ou de invasores externos contra o povo, ou de cristãos contra muçulmanos", conta. "Em geral, os kadafistas têm baixa instrução. Eles temem que o país se deteriore sem Kadafi."

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