Ícones da direita expõem desilusão com a campanha republicana

Atordoados com legado de Bush e caos em Wall Street, intelectuais conservadores criticam ?bolha Palin? e até elogiam Obama

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Por Patricia Cohen
Atualização:

Os intelectuais conservadores americanos descobriram nas últimas semanas que a crítica tem mão dupla. Elogiaram, alternadamente, em sucessivas colunas, as virtudes de John McCain e Sarah Palin - os candidatos a presidente e vice à Casa Branca pelo Partido Republicano -, e lamentaram seus revezes. O colunista George F. Will comparou a "bolha Palin" à exuberância irracional das bolhas das empresas de tecnologia e imobiliárias que acabaram explodindo. O escritor e humorista Christopher Buckley foi mais direto e anunciou que votaria no candidato democrata Barack Obama. Essa decisão, vinda do filho de William F. Buckley Jr., um dos intelectuais que fundaram o moderno movimento conservador, levou ao ápice o crescente desconforto da turma com os rumos da campanha republicana. A apenas dez dias das eleições, é impossível saber se a desilusão da intelligentsia conservadora é a evidência de um descontentamento igualmente difundido em toda direita ou reflete apenas o eco de um punhado de críticos famosos. O fato é que há 30 anos que não se via tamanha revolta. Um dos mais influentes intelectuais da direita americana, o colunista do Washington Post Charles Krauthammer, deu um puxão de orelhas em McCain por sua "frenética improvisação", e elogiou a "inteligência e temperamento superior" de Obama. Indubitavelmente, todas estas vozes têm um grande peso. Por outro lado, é justo perguntar-se se, numa eleição em que votam milhões de pessoas, as opiniões de supostos "especialistas" realmente importam. Durante mais de meio século, o movimento conservador insistiu que "as idéias têm conseqüências", o que implica que escritores e pensadores influíram profundamente na formação do destino da direita. William Buckley criou a revista National Review em 1955, em grande parte por acreditar que publicações liberais, como The Nation, The New Republic e outras do gênero haviam criado o "monopólio da informação sofisticada" e, portanto, podiam ditar o programa político. Por esse motivo, os escritores que colaboram com a National Review e outras publicações conservadoras têm o cuidado de manter um consenso em torno de princípios fundamentais. Evidentemente, uma unanimidade seria impossível. MUNIÇÃO A força do movimento, porém, baseou-se na disciplina. Escritores e pensadores conservadores podiam discordar, mas até certo ponto - e tomaram o cuidado de enfatizar os pontos de convergência e matizar as divergências. Apontá-los para o público só enfraqueceria o movimento e daria munição aos adversários. Essa mentalidade pode ser em parte responsável pelos mais de 12 mil e-mails que Parker disse ter recebido depois de ter anunciado apoio a Obama, muitos deles contendo insultos e ameaças. Christopher Buckley revelou também ter recebido mensagens de muitos leitores irritados depois que ele declarou sua apostasia em The Daily Beast, site editado por Tina Brown, integrante da "elite liberal da mídia" - liberal, vale lembrar, é como os americanos tacham os esquerdistas. Evidentemente, não está na natureza dos comentaristas políticos guardar suas opiniões para si. Em 1964, por exemplo, publicações conservadoras famosas, como os dez jornais do magnata William Hearst, abandonaram o apoio a Lyndon Johnson na batalha contra Barry Goldwater. Uma década mais tarde, Irving Kristol, Norman Podhoretz e Richard John Neuhaus, que eram liberais , lideraram a onda de críticas contra o Partido Democrata, que acusaram de não ser enérgico com a União Soviética e de contribuir para o declínio moral do país. Esses neoconservadores ajudaram a preparar o terreno intelectual para a vitória de Ronald Reagan, em 1980. PESO INTELECTUAL "Embora o número real de neoconservadores fosse reduzido, eles exerciam peso intelectual", disse Allen Matusow, professor de História dos EUA na Rice University, e autor de The Unraveling America: A History of Liberalism in the 1960s. Nesse caso, eram intelectuais que acompanhavam de perto a cultura como um todo. "Os neoconservadores constituíram um mero sintoma do sentimento difundido de que os EUA haviam perdido a liderança na Guerra Fria", observou Matusow. O colunista David Brooks, do New York Times, que recentemente definiu Palin como um "câncer do Partido Republicano", afirma que o movimento atualmente está às voltas com um debate: "Deve voltar aos princípios básicos de Ronald Reagan ou buscar alguma outra coisa? Eis o problema central." Resolver essas questões fundamentais poderá levar anos, disse Brooks, observando que, na Grã-Bretanha, o Partido Conservador levou uma década e meia para reinventar-se, depois que Margaret Thatcher deixou o cargo. Após a derrota de Goldwater, em 1964, a direita americana lutou por 16 anos antes que Ronald Reagan finalmente fosse eleito presidente. Hoje, com a política de George W. Bush e o colapso de Wall Street, os conservadores da velha guarda chegam a conclusões conflitantes quanto ao rumo que o Partido Republicano deve tomar. O comentário desiludido de conservadores credenciados pode ser o começo de um movimento que divide as bases, um movimento cujos intelectuais, há muito tempo, não se sentem à vontade, por exemplo, por causa do crescente poder na era Bush dos evangélicos, que pregam o criacionismo e duvidam da ciência.

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