05 de abril de 2020 | 05h00
Quando o coronavírus chegou aos EUA, em janeiro, o presidente Donald Trump procurou tranquilizar a população: “Temos isso totalmente sob controle”, disse em 21 de janeiro. “Vai ficar tudo bem.” E continuou a repetir frases assim.
Uma guerra global
Em 31 de janeiro, Trump proibiu a entrada de estrangeiros vindos da China. Foi sua única medida de prevenção no início do surto nos EUA. O presidente Jair Bolsonaro o visitou em 8 de março, em seu balneário na Flórida, levando o vírus em sua delegação. As precauções na época eram inexistentes.
Em 12 de março, Trump assegurou que o coronavírus estava “indo embora”. No dia seguinte, mudou de atitude e declarou emergência nacional, o que lhe permitiu reservar US$ 50 bilhões para a crise; baniu a entrada de cidadãos europeus e apoiou a proposta da oposição democrata de um pacote de US$ 8,3 bilhões.
Trump elogiou o papel da oposição (algo bem raro) e da imprensa (inédito). E se referiu a si mesmo como “um presidente em tempo de guerra”.
Dez dias mais tarde, no dia 24, Trump mudou o discurso novamente. Ele insinuou que acabaria com a quarentena, anunciando seu desejo de que a economia americana voltasse à atividade na Páscoa, que cai no dia 12.
Entretanto, no dia 29, o imunologista Anthony Fauci, um dos líderes da força-tarefa da Casa Branca, em entrevista à CNN, previu que as mortes nos EUA poderiam somar entre 100 mil e 200 mil. O número chegou a 7.077 na sexta-feira, quando houve 1.094 mortes, o maior número em um único dia.
Fauci passa várias horas por dia com o vice-presidente Mike Pence, e em torno de uma hora com o próprio Trump.
Diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas desde 1984, ele é um cientista respeitado, que teve um papel importante nas pesquisas sobre a aids nos anos 80.
No mesmo dia, Trump estendeu a quarentena por mais um mês. Avisou para o país esperar “duas semanas muito
dolorosas”, “infernais”, e declarou: “Nossa força será testada”.
O foco do presidente na questão da saúde se torna ainda mais significativo porque paralelamente a economia está sofrendo um verdadeiro crash. Nas duas últimas semanas, 10 milhões de trabalhadores americanos foram demitidos. É o fim abrupto de 12 anos e 8 meses de crescimento econômico ininterrupto, e de um longo período de desemprego abaixo de 4%.
Além dos conselhos de seus assessores de saúde, pesou na manutenção das medidas as várias pesquisas que mostram que o eleitorado americano apoia a face mais dura do presidente no combate ao coronavírus. A população entende o impacto econômico como um mal menor, diante da ameaça de hospitais lotados e de um grande número de doentes graves morrendo por falta de aparelhos respiratórios. E que não é hora de olhar para índices econômicos, mas de salvar vidas.
A popularidade de Trump subiu 8 pontos porcentuais de fevereiro a março, chegando a 49%. É uma marca favorável, para um presidente no último ano de mandato. Mesmo tendo perdido o que considerava o seu grande trunfo nas eleições, o excelente desempenho da economia, Trump está longe da derrota.
A covid-19 oferece uma justificativa para que ele esqueça os limites do déficit público e ofereça à população benefícios generosos. Mesmo assim haverá sofrimento, tanto na saúde quanto na economia, mas é possível que o presidente não seja responsabilizado por ele.
Enquanto isso, a corrida presidencial está paralisada do lado democrata. Os dois pré-candidatos, Joe Biden e Bernie Sanders, estão tão apagados que o governador de Nova York, Andrew Cuomo, que concede dramáticas coletivas todos os dias, tem sido pressionado a se lançar à presidência pelo partido.
Por tudo isso, não é recomendável que um governante de outro país tente seguir os passos de Trump ao lidar com a pandemia. A realidade americana é muito específica.
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