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Idioma é fator de segregação dos uigures

Para minoria, conversão do mandarim em língua dos negócios favoreceu apenas os hans

Por Cláudia Trevisan , URUMQI e CHINA
Atualização:

Donos de uma cultura que não tem nenhuma semelhança com a chinesa, muitos uigures se consideram habitantes de uma terra dominada por invasores. A hostilidade teve sua mais irada manifestação no dia 5, com agressões e choques com a polícia que deixaram 184 mortos, dos quais 137 hans, a etnia majoritária da China. As queixas incluem repressão religiosa, discriminação econômica e desprezo por sua identidade cultural. "Sou muçulmano, essa é minha terra, mas eu não posso ser livre aqui", disse ao Estado um segurança uigur que se identificou como Murat, de 68 anos. A tensão entre os dois grupos se agravou depois do início das reformas econômicas, que ganharam impulso em Xinjiang nos anos 90. A província cresce a taxas superiores a dois dígitos há mais de uma década, mas a prosperidade beneficiou principalmente os hans, sustentam os muçulmanos. "Todo o dinheiro está nas mãos dos hans. Muitos uigures não têm trabalho, não têm casa, não têm dinheiro", ressaltou Haire Jul, dona de uma pequena loja de roupas. Os uigures ressentem-se do fato de que a língua dos negócios e dos serviços públicos é o mandarim dos hans. Muitos jovens falam uigur, mas não sabem mais escrever ou ler na língua árabe de seus ancestrais. Parizat, estudante de Direito, declarou que se sente discriminada na universidade. "Eles dizem que temos de aprender mandarim muito bem, do contrário será difícil encontrarmos trabalho." Um homem na faixa dos 50 anos observou que os uigures mais velhos não sabem mandarim e, ainda assim, têm de usar a língua dos hans quando preenchem formulários ou documentos nas repartições públicas. Segundo outro morador da área muçulmana, antes das reformas econômicas, hans e uigures tinham a "mesma vida" e tudo era "mais justo". "Com a prosperidade, muitos hans enriqueceram e passaram a desprezar os uigures", relatou. A reportagem do Estado era cercada por várias pessoas cada vez que começava a entrevistar alguém no bairro, todos querendo falar do tratamento que consideram discriminatório, da prisão de inocentes depois dos conflitos do dia 5 e do fato de a imprensa chinesa ter ignorou os ataques dos hans aos uigures no dia 7. "A TV só fala dos feridos hans e não menciona os uigures", afirmou uma mulher que se identificou como Razia. Xinjiang passou a fazer parte do território chinês durante a última dinastia do império, a Qing (1644-1911). Após o regime maoista ter sufocado revoltas tanto em Xinjiang quanto no Tibete, o Partido Comunista tem incentivado a migração e reforçado a presença militar nas duas províncias do extremo oeste, as maiores do país, que ocupam 30% do total do território chinês.

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