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Imagem de Obama sofre com fracasso em Guantánamo

Apesar de ter herdado problema de Bush, presidente não consegue fechar prisão e greve de fome em massa expõe promessa descumprida por governo

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Por Cristiano Dias
Atualização:

Em 2009, Barack Obama elegeu-se com a promessa de fechar a prisão de Guantánamo. Segundo ele, o lugar era caro, ineficiente e servia como propaganda para recrutamento de terroristas. No terceiro dia de mandato, ele assinou a ordem executiva para liquidar o campo de detenção. Mas, quatro anos depois, nada mudou e o futuro dos presos ameaça macular o legado do presidente mais vanguardista da história dos EUA. Guantánamo tem hoje 166 detentos. Pelo menos 86 passaram pelo crivo do FBI, da CIA e dos departamentos de Justiça e de Defesa, não foram acusados de nada e já deveriam ter sido libertados. No entanto, viraram massa de manobra da política interna americana. Congressistas republicanos, que dominam a Câmara dos Deputados, cortaram o dinheiro para que os presos fossem transferidos. “Obama não vai queimar capital político nessa questão. Ele poderia, mas não vai”, disse ao Estado a advogada Martha Rayner, que representou vários presos de Guantánamo. “Os republicanos acusam o presidente de ser fraco no combate ao terrorismo e o fechamento da prisão virou um teste para Obama.” Apesar das restrições, o presidente teria poderes para emitir uma ordem executiva e mandar a maioria dos presos a seus países de origem, desde que consiga garantias de que serão monitorados. O problema é que 56 dos detentos vieram do Iêmen, que não tem como vigiá-los. Além disso, as transferências foram suspensas após o fracassado atentado contra um voo da Northwest Airlines, em 2009. Umar Abdulmutallab, o terrorista, havia sido treinado pela Al-Qaeda no Iêmen. O risco de os presos libertados serem recrutado apavorou a Casa Branca. Nas contas de Obama, a melhor coisa a fazer era não fazer nada. O presidente evitou o rótulo de fraco, mas perdeu pontos com os ativistas dos direitos humanos. Em Guantánamo, o clima é de abandono. Nenhum novo preso chega desde 2008. Ninguém deixa a prisão há mais de um ano e não há audiências marcadas para concessão de liberdade condicional. A falta de perspectiva é a razão da greve de fome que começou há quase cem dias. Funcionários da prisão dizem que há 100 grevistas, mas advogados dos presos garantem que são 130. A maior preocupação da Casa Branca é evitar que alguém morra. Por isso, o governo ignorou a ética médica e optou por enfiar a alimentação goela abaixo dos presos. Literalmente. Pelo menos 30 detentos são amarrados em uma cadeira, duas vezes ao dia, e alimentados à força com um suplemento nutricional injetado em um tubo de plástico, enfiado no nariz, que vai até no estômago. O procedimento leva meia hora, mas os presos são vigiados por duas horas, para garantir que o alimento seja digerido. Funcionários do governo admitem que a medida é paliativa e prejudicial à saúde. Os militares negam que estejam alimentando pessoas à força e dizem que o fato de os presos não reagirem se configura uma “alimentação voluntária”. O coronel Morris Davis, ex-promotor-chefe da base, contesta a versão oficial. “Quando eu era promotor, ‘tortura’ era chamada de ‘técnica avançada de interrogatório’. Ser amarrado em uma cadeira e ter um tubo enfiado pelo nariz não tem outra definição: é alimentação forçada.” Depois de pedir exoneração do cargo, Davis tornou-se defensor do fechamento da prisão e lançou uma petição online para exigir que Obama cumpra sua promessa. Em 15 dias, o documento foi assinado por 200 mil pessoas. “É inevitável que algum preso, em algum momento, faça alguma coisa errada. Mas, se ficarmos esperando até que o risco seja zero, nunca chegaremos lá e esses caras vão morrer”, disse Davis. Para Obama, o pior cenário é a repetição da saga de Bobby Sands, militante do Exército Republicano Irlandês (IRA), que morreu após 66 dias de greve de fome em uma prisão de Belfast, em 1981. Sands exigia o status de preso político, mas a então premiê britânica, Margaret Thatcher, insistia em tratá-lo como criminoso comum. Seu funeral arrastou 100 mil pessoas e levou a uma onda de protestos. Nos meses seguintes, Thatcher assistiu à morte lenta de outros nove militantes em greve de fome. Os conservadores aplaudiram a Dama de Ferro, mas o caso serviu para que o IRA recrutasse em massa, reforçou o peso de seu braço político, o Sinn Fein, e radicalizou o conflito. Por isso, a última coisa que a Casa Branca quer é de um Bobby Sands em Guantánamo.

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