Imagem dos EUA se deteriora na França

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Por Agencia Estado
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Nunca a imagem americana na França se deteriorou tanto como neste último ano, paradoxalmente após a grande emoção causada pelos atentados terroristas de 11 de setembro em Washington e Nova York. Hoje, poucos são os franceses que ainda citam a campanha iniciada em junho de 1944, o desembarque aliado na Normandia que libertou o país da ocupação nazista, um episódio cuja lembrança é menos afetiva e mais histórica. As relações entre Washington e Paris sempre foram muito difíceis e as divergências se acentuaram nos tempos do general Charles de Gaulle - um parceiro leal, mas muito difícil. O general se opôs à chamada "hegemonia americana", inicialmente contra o presidente Roosevelt e depois contra Kennedy. Fratura Agora, o que se assiste é a uma verdadeira fratura na opinião pública francesa, que reage negativamente à política unilateral do presidente George W. Bush não só na área político-militar, mas também na cultural, comercial e econômica. Essa tradição antiamericana francesa, ambígua, reunindo amor e ódio, data do século 19, mas agora está ressurgindo com roupa nova, um sentimento identificado mais como anti-Bush do que outra coisa. O semanário Marianne encomendou uma pesquisa ao instituto CSA para medir o impacto das decisões americanas sobre a opinião francesa. Nessa pesquisa se constata um forte crescimento do sentimento de hostilidade à política de Washington e às decisões do presidente Bush. A tal ponto que o filósofo e acadêmico Jean-François Revel, homem de insuspeitas opções ideológicas, se rebela ao constatar essa evolução no seu mais recente livro A Obsessão Antiamericana, admitindo que o 11 de setembro intensificou o antiamericanismo. Agressores Muito rapidamente, os EUA passaram da posição de vítimas para a de agressores. Revel responsabiliza a ultra-esquerda, mas não a distingue da esquerda tradicional socialista, cujos representantes mais ilustres não podem ser acusados de antiamericanismo - caso de Laurent Fabius, Michel Rocard, Dominique Strauss Khan e mesmo do ex-presidente François Mitterrand, que nos seus 14 anos de poder foi um parceiro bem mais dócil do que, anteriormente, o general De Gaulle. O autor de A Obsessão Antiamericana é fã do atual modelo americano de sociedade e aprova as grandes orientações do presidente George W. Bush que a grande maioria dos pesquisados franceses contesta. Eles só reagem positivamente quando se trata de respostas relativas ao papel dos EUA na luta contra o terrorismo: 55% reconhecem como positiva a ação americana. No plano cultural, as opiniões são também negativas na terra que defende a "exceção cultural": 36% desaprovam e 26% aprovam a ação dos EUA para garantir um maior respeito à diversidade das culturas no mundo. Centro do mundo Emanuel Todd, conhecido por sua visão renovada da luta de classes na França, é o autor do livro Após o Império, Ensaio sobre a Decomposição do Sistema Americano. Num debate sobre o antiamericanismo francês promovido essa semana pelo jornal Le Figaro, ao contrário de Jean-François Revel, mestre do liberalismo político francês, e que fala de um antiamericanismo obsessivo, Todd explicou que o seu "é político e conjuntural". A seu ver, os EUA têm necessidade imediata de continuar a ser o centro do mundo. Por isso, este país orienta de forma exagerada a esfera dos atos políticos internacionais para um universo de potências frágeis, os países muçulmanos e o terrorismo internacional - que, a seu ver, só obteve, até agora, uma única ação espetacular. Redução da influência A pesquisa CSA revela números que não deixam margem a dúvidas sobre o estado atual da opinião francesa em relação a Washington: 73% das pessoas ouvidas desejariam ver reduzida a influência americana na área da defesa e das intervenções militares no mundo, e 23% gostariam que ela fosse nula. Em política internacional, 76% preferem que a influência dos EUA seja menor, e apenas 18% optam por uma maior influência. Hoje, os franceses podem gostar dos EUA, de sua história, sua literatura, sua música, seus heróis (exceto seus hambúrgueres), mas eles não apreciam a forma como essa superpotência impõe suas leis, retirando sua assinatura do Protocolo de Kyoto sobre o meio ambiente ou impondo regras para proteger sua indústria no caso do aço, prejudicando parceiros ricos e pobres. Entre os franceses ouvidos pelo instituto CSA, 79% veriam com bons olhos a diminuição da influência americana na globalização econômica e financeira. Apesar disso, essa hiperpotência hegemônica é defendida pelo filósofo Revel, que responsabiliza sua existência pela fraqueza dos outros, seus adversários e mesmo parceiros. Antes de ser antiamericana, a opinião pública francesa é mais anti-Bush, e nos mais diversos segmentos da sociedade, a tal ponto que à pergunta se Bush é um bom presidente, um presidente um pouco decepcionante ou um mau presidente, as duas últimas opções somam 80% das respostas e apenas 13% das opiniões são favoráveis. Mais de 58 % também se pronunciam contra uma eventual intervenção militar dos EUA no Iraque (como também o presidente Jacques Chirac). Hoje, se Bush pudesse ser candidato a presidente na França, dificilmente iria ao segundo turno.

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