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Imigrantes venezuelanas são vítimas de tráfico sexual em Trinidad e Tobago

Jovens são atraídas com promessa de que terão comida e emprego, mas são levadas para bordeis onde ficam presas até pagar despesas; soldados da Guarda Nacional Bolivariana foram detidos, indicando envolvimento de funcionários do chavismo

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Por Redação
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CHAGUARAMAS, TRINIDAD E TOBAGO - O desespero causado pela crise vem fazendo com que muitas venezuelanas recorram à prostituição para sobreviver. O fenômeno, até então mais visível na Colômbia, chegou às ilhas vizinhas de Trinidad e Tobago. Há duas semanas, a polícia local lançou duas operações contra a prostituição forçada de venezuelanas, libertando 18 pessoas.

No mar, uma série de naufrágios entre os litorais dos dois países vem chamando a atenção para uma rota usada por traficantes de mulheres. Em abril, um barco afundou matando 29 pessoas, quase todas mulheres. Em maio, um outro bote desapareceu com 33 venezuelanas. Apenas o capitão, Alberto Abreu, escapou. Segundo o governo de Trinidad, ele tem uma longa ficha corrida por tráfico de pessoas.

Yoskeili Zurita, de 16 anos, é uma das nove sobreviventes de um barco que naufragou em abril de 2019 saindo da Venezuela em direção a Trinidad e Tobago. As imigrantes seriam prostitutas na ilha caribenha, vítimas de tráfico sexual. Foto: Adriana Loureiro Fernandez/The New York Times

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Yoskeili Zurita é uma sobrevivente da travessia. Em abril, ela saiu de casa na cidade venezuelana de Guiria sem avisar a mãe. Aos 16 anos e faminta, foi atrás dos homens que lhe prometeram comida e emprego. Em vez disso, eles a sequestraram por mar, planejando em segredo obrigá-la a se prostituir em Trinidad e Tobago.

A garota entrou no barco já lotado com dezenas de outras meninas, entre elas uma prima. Ao cruzar o Mar do Caribe, a embarcação virou rapidamente, ao ser atingida por uma onda. Gritos seguiram-se ao naufrágio no meio da noite. Yoskeili passou dois dias à deriva até ser encontrada por pescadores. Ela nunca mais viu a prima, que não sabia nadar. O barco carregava 38 pessoas, a maioria mulheres. Apenas 9 sobreviveram, entre elas Yoskeili.

Nos últimos quatro anos, 4 milhões de pessoas deixaram a Venezuela, segundo a ONU. A grande maioria atravessa a pé os Andes, rumo à Colômbia, ou as florestas, em direção ao Brasil. Agora, a tentativa mais desesperada é chegar a Trinidad. 

As mulheres à deriva no Caribe estão abandonadas à própria sorte. O governo chavista disse aos parentes das vítimas que não havia nem mesmo gasolina para um resgate. Um helicóptero chegou quatro dias depois, quando os pescadores já haviam feito a maior parte do trabalho. A Guarda Nacional Bolivariana (GNB) também estava envolvida no tráfico. Promotores venezuelanos já indiciaram dois soldados por fazer parte de uma gangue que trafica mulheres para Trinidad.

Hoje, Yoskeili passa os dias sozinha no quarto, pensando no motivo de ter sobrevivido, enquanto tantas mulheres morreram no mar. Ela lembra das promessas dos traficantes. “Eles diziam que quando chegássemos a Trinidad haveria comida de sobra”, conta.

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“Como isso pode ter acontecido de novo”, questionou Salvador Díaz, que perdeu a filha Oriana no naufrágio de Yoskeili. A jovem morreu no mesmo acidente, quando tentava chegar a Trinidad. Ela tinha 22 anos e era a segunda filha de Salvador que fugia da Venezuela. O mais velho, um engenheiro especializado em petróleo, fugiu para o Brasil.

Até pouco tempo atrás, Salvador e a família desfrutavam de uma vida de classe média. Seu terceiro filho era contador. Férias no Caribe eram comuns.

Com a crise, a comida começou a ficar escassa. “Eu deixava de comer para que meus filhos e meus netos pudessem se alimentar”, diz. Assim, quando Oriana disse que iria para Trinidad para mandar dinheiro para a família, o pai não se opôs.

Em outra parte da cidade, Héctor Torres trocou o desemprego pelo recrutamento de adolescentes dispostas a emigrar para Trinidad. Ele e a irmã, Eloaiza, foram contatados por um rapaz chamado Nano – identificado como Dayson Alexander Alleyne, um homem de 28 anos preso por tráfico de pessoas pelo governo venezuelano. A promessa às moças recrutadas pelos irmãos era a mesma: comida.

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Yoskeili não contou à mãe que iria emigrar, com medo de que ela tentasse demovê-la da ideia. Apenas sua avó sabia do plano. Na noite da fuga, por volta das 19h, Nano chegou de carro, empurrou a garota para dentro do veículo e a levou para um hotel onde estavam as outras passageiras. “Eles nos sequestraram”, ela diz. “Não queriam que ninguém nos visse.”

Yoskeili começou a ficar com medo quando perguntou às outras garotas que tipo de trabalho fariam em Trinidad. Elas contaram que iriam se prostituir.

Após o naufrágio, o dono de uma boate de Port of Spain, capital de Trinidad, ficou sabendo que o barco nunca chegou ao litoral. Ele havia pago US$ 300 para que uma das mulheres fosse levada à sua boate e também havia dado propina para a Guarda Costeira do país para que o barco não fosse parado. O homem pediu para não ser identificado.

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Carlos Valero, deputado opositor na Venezuela, diz que o fato de guardas da GNB terem sido presos, mas a investigação não ter avançado, é sinal de que gente do governo está envolvida no tráfico de pessoas. Segundo ele, agentes da Guarda Costeira venezuelana e do Departamento de Imigração recebem US$ 100 por cada garota que passa ilegalmente pela costa.

Em Port of Spain, o dono da boate recebe frequentemente fotos por WhatsApp de garotas menores de idade que buscam trabalho na casa. Ele afirma que paga a viagem, com todas as propinas envolvidas, e confisca o passaporte das meninas quando chegam. O documento só é devolvido quando elas quitam, por meio da prostituição, o valor “investido”.

Ao New York Times, ao menos três donos de barco nas ilhas e um na Venezuela disseram fazer a travessia de prostitutas venezuelanas. Autoridades de Trinidad e Tobago não comentaram o caso – muitas estão envolvidas no tráfico. Na boate de Port of Spain, os policiais são clientes assíduos, e cumprimentam o dono mesmo diante das venezuelanas que trabalham para ele. “São meus amigos”, diz o dono do estabelecimento. "Os conheço bem". / NYT

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