Impasse atrasa final de conferência sobre racismo

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Por Agencia Estado
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Os debates entraram noite adentro na Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, porque um impasse para aprovação de dois pontos básicos - as questões do Oriente Médio e do colonialismo - não permitiu que a reunião fosse encerrada no fim da tarde, como previa o programa. No meio da noite, quando a maioria dos delegados deveria estar arrumando as malas para ir embora, os negociadores ainda discutiam esses itens, em busca de um acordo. "Acredito que será possível chegar-se a um entendimento em torno de textos alternativos", disse o embaixador Gilberto Sabóia, chefe da Delegação do Brasil, baseando-se em informações que lhe chegavam das salas de negociações. "A Conferência Islâmica sugeriu notas de rodapé para esclarecimento de alguns pontos referentes aos palestinos", acrescentou o diplomata brasileiro, com esperança de que os árabes viessem a aceitar uma proposta moderada, apresentada pela presidente da conferência, a ministra sul-africana Dlami Zuma. Foi a discussão sobre o Oriente Médio que provocou a retirada dos Estados Unidos e de Israel da reunião de Durban. Suas delegações consideraram inaceitável a ênfase dada à questão dos palestinos. Além de compararem a situação a um novo Holocausto, no qual os judeus, que foram vítimas do nazismo, estariam agora exterminando os palestinos, as propostas apresentadas pelos árabes e seus aliados muçulmanos sugeriam que o sionismo deve ser considerado racismo. Até hoje de manhã, temia-se que os europeus também abandonassem Durban, não mais em solidariedade aos Estados Unidos e a Israel, como se achava de início, mas por não aceitarem as exigências dos africanos no caso do colonialismo, da escravidão e do tráfico de escravos. "Em nenhum momento pensamos em ir embora de Durban", afirmou o presidente da União Européia, Louis Michel, em entrevista coletiva convocada para explicar a posição do bloco. Essa afirmação, que se refere à posição oficial, não corresponde ao que se viu durante as discussões. Os europeus chegaram a levantar-se das cadeiras para retirar-se, durante a discussão dos pontos polêmicos que mais lhes interessam, na questão do colonialismo. O bloco africano sugeriu que os antigos colonizadores pagassem uma reparação pelas conseqüências da escravidão e do tráfico de escravos - atos que, pela sua proposta, deveriam ser considerados crimes de lesa-humanidade. "Discutimos a questão do passado até meia-noite de quinta-feira e, como não havia consenso, a embaixadora do Quênia e eu levamos o problema à presidente da conferência", informou Sabóia, que funcionou como facilitador no debate do tema. Um texto intermediário entre a proposta africana e os vetos europeus foi apresentado como alternativa também nessa questão, por iniciativa da presidência e da alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Mary Robinson. Quando tudo parecia caminhar para um acordo, o grupo do Caribe rejeitou o texto, alegando que as compensações sugeridas a título de reparação beneficiaria apenas a África, deixando de lado os afrodescendentes de outros continentes. O Caribe, que faz parte do Grupo da América Latina e Caribe (Grulac), ganhou em parte o apoio de seus sócios latino-americanos. "Concordamos com o argumento, mas observamos que seria importante buscar o equilíbrio para garantir o sucesso da conferência de Durban", disse Sabóia, expondo a posição do Brasil. O texto alternativo em discussão no fim da noite incluía o pedido de desculpas pelo colonialismo e suas conseqüências, apesar de os europeus haverem vetado essa referência durante toda a semana. Mas não considerava a escravidão crime contra a humanidade. A União Européia insistiu em colocar essa questão no contexto presente, admitindo apenas que, se voltassem a ocorrer atualmente, escravidão e tráfico de escravos seriam tipificados como crimes de lesa-humanidade pelo Direito Internacional. "Esses atos seriam condenáveis hoje e eram também no passado, mas seria complicado afirmar que fossem crimes pelas leis da época em que ocorreram", argumentou Louis Michel, falando em nome dos países da União Européia. Beirando a retórica, a discussão transferiu-se para o campo dos assessores jurídicos na conferência. Até o fim, ainda não se sabia se os europeus acatariam o pedido de desculpas, expressão que aparecia duas vezes no texto preparado pela presidência. Os antigos colonizadores concordam em compensar as vítimas da colonização por meio de programas econômicos, mas não aceitam pagar reparações em dinheiro aos países que colonizaram. Mesmo com essa concessão, a questão continuou levantando divergências porque, ao beneficiar a África, a proposta não faz distinção entre países, o que equipararia a África do Sul, por exemplo, aos Estados mais pobres do continente. "Está tudo muito confuso", desabafou o diplomata brasileiro Marcos Pinta Gama, chefe de gabinete da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e membro da delegação do Brasil em Durban. Enquanto os negociadores continuavam trabalhando, funcionários da ONU começavam a desmontar a infra-estrutura do Centro Internacional de Convenções, onde se reuniram, nos últimos oito dias, representantes de 173 países. Mesmo que se chegasse a um acordo antes da meia-noite, previa-se que a reunião não terminaria antes das 4h da madrugada de sábado. Os textos aprovados teriam de passar pela comissão de redação, antes de serem encaminhados ao plenário para votação. Nesse caso, o encerramento da conferência seria transferido para a manhã de sábado. Enquanto isso, o esforço era para que a reunião não terminasse sem uma declaração - o que faria dela um fracasso. Analisando o comportamento da União Européia, o embaixador Gilberto Sabóia advertiu que, ao mesmo tempo que estão incomodados com a questão do passado, os europeus preocupam-se com problemas graves de racismo, preconceito racial e xenofobia. "Esta conferência não é sobre a África, mas sobre racismo, que tem milhões de outras vítimas no mundo todo", observou o diplomata. A reunião de Durban estava cheia de exemplos de casos concretos. Hoje, por exemplo, um grupo de 60 indianos e nepaleses completaram dois dias de greve de fome, num protesto em que denunciavam a discriminação sofrida pelos dalits, pertencentes à casta inferior que sofre perseguição na Índia, Nepal, Sri Lanka, Paquistão e Bangladesh. Os dalits somam, nesses países, uma população de 260 milhões de habitantes.

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