Informalidade na América Latina afeta luta ao coronavírus

Com 54% de trabalhadores informais na região, medidas de isolamento impedem obtenção de renda e acabam sendo descumpridas

PUBLICIDADE

Foto do author Fernanda Simas
Por Fernanda Simas
Atualização:

Atualmente, 158 milhões de trabalhadores estão na informalidade na América Latina. O número, que representa 54% dos 292 milhões que integram a força de trabalho local, é apontado pelos especialistas como o principal desafio para a implementação eficaz das medidas de combate ao novo coronavírus. Isso ajuda a explicar por que a região se tornou o novo epicentro mundial da pandemia. 

“A resposta tradicional à pandemia, com o isolamento social, um pacote de estímulo e de apoio a empresas e empregos e aumento da capacidade do sistema de saúde funciona bem em contextos de baixa informalidade, como EUA e China, porque é muito difícil obrigar o trabalhador informal a paralisar a sua atividade econômica”, explica o diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a América Latina e o Caribe, Vinícius Pinheiro. 

Parentes carregam no Cemitério Nueva Esperanç, em Lima, caixão de pessoa suspeita de ter morrido de covid-19 Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP

PUBLICIDADE

Dos trabalhadores informais, segundo a OIT, 90%, ou seja, 140 milhões, estão sendo atingidos de forma grave pelos efeitos da pandemia. O Peru é considerado pela organização como um exemplo prático disso. Foi um dos países mais rígidos ao implementar o lockdown: desde o dia 15 de março fechou aeroportos e fronteiras. Mas o número de doentes cresce rápido ao lado do Brasil, por exemplo. 

“Em feiras de rua de Lima, 80% das pessoas estão contaminadas porque quem precisava vender para sobreviver furava o isolamento, é o dilema entre o vírus e a fome. Aí essas pessoas levavam multas do governo, não tinham como pagar e eram detidas. Na prisão, elas se contaminaram”, conta Pinheiro. 

Para o economista e professor de relações internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan, o maior problema da informalidade é a ausência de proteção social. “A pandemia exibiu da forma mais pura que a informalidade não significa ter alguma forma de proteção social. No Brasil temos um auxílio emergencial de R$ 600, o que não se repete no restante da América Latina por falta de condições”, afirma.

Na região, o levantamento da OIT mostra que 48% dos trabalhadores informais são autônomos e 31% atuam em micro ou pequenas empresas que têm entre dois e nove funcionários. Com a pandemia, os informais devem ter uma perda de 80% de sua renda, o que deve tornar a taxa de pobreza – que afeta cerca de 36% dos trabalhadores informais – a nova realidade para 90% dos informais. 

O peruano Gianfranco Barrionuevo é cozinheiro contratado em um restaurante de Lima, mas lamenta a situação de muitos colegas que trabalham no mesmo local de maneira informal. “Infelizmente tenho muitos companheiros que não são peruanos ou não estão com a documentação toda em dia, então eles vão sofrer”, afirma, ao se referir a outro problema da informalidade.

Publicidade

Para que algum auxílio do governo chegue a essas pessoas é essencial que exista um sistema de cadastro atualizado, explica Pinheiro. “Em alguns casos não se sabe quem são as pessoas que devem receber o auxílio por falta de um sistema que compile os dados dos informais. No Peru, 12% do PIB está sendo dedicado a pacotes de auxílio, mas não se sabe quanto disso chega a quem precisa.”

O professor Trevisan cita o caso de trabalhadores da chamada ‘informalidade digital’, que atuam em empresas como Uber e Rappi. No dia 8 de maio, funcionários desses aplicativos saíram em suas motos e bicicletas pelas ruas de Buenos Aires pedindo kits de higiene e segurança para realizarem as entregas, já que o serviço aumentou muito durante a pandemia. 

Planejamento.

Com a maioria dos serviços não essenciais paralisados, governos adotaram medidas para proteger os trabalhadores formais da exposição ao vírus e para reduzir o impacto econômico. Até abril, segundo estudo da Cepal, 19 países dos 26 da região adotaram o home office, 14 possibilitaram a ausência remunerada e 11 permitiram a redução de jornada.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Por ser contratado, Barrionuevo recebeu 60% de seu salário em março, mas depois disso, com o restaurante fechado, ele ficou sem renda mensal. Então partiu para o sistema de delivery. “Não estou passando necessidade, mas se eu não me planejar agora, em algum tempo vou passar. Não recebi nenhuma ajuda do governo porque sou um trabalhador estável, mas estou tocando um negócio por conta própria para poder pagar as contas. Estou trabalhando com pizzas e comida italiana para delivery”, conta.

Trabalhadores do setor de saúde também têm recebido algum auxílio dos governos. Na Argentina, por exemplo, os trabalhadores da saúde receberão entre abril e julho um bônus de 5 mil pesos (US$ 76) ao mês. 

Mas o que preocupa organizações internacionais é a dificuldade de acesso ao sistema de saúde pelos trabalhadores informais. “Na maioria dos países da América Latina quem tem acesso à saúde é quem contribui com o Estado. Não existe um acesso universal como no Brasil. Essa barreira explica por que países com mais cobertura e menos informalidade, como Costa Rica e Uruguai, mostram números menores de contágios”, diz Pinheiro. 

Publicidade

A retomada das atividades econômicas já começou em países da região, como Costa Rica e Chile, e começará em outros amanhã, como México. Mas analistas alertam para o risco do aumento de casos da covid-19 e a necessidade de novas restrições.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.