Interesses globais convergem em Cabul

PUBLICIDADE

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Cerca de 15 milhões de afegãos resignados, desesperados ou aterrorizados, elegem hoje o presidente da República. Não vamos prever o resultado. Esse país infeliz, esgotado por 30 anos de guerras, está dilacerado entre 20 facções - taleban, sunitas, xiitas, amigos de americanos, inimigos de americanos, chefes de grandes tribos, produtores de ópio e, enfim, os "senhores da guerra", que o presidente Hamid Karzai tenta atrair. Hoje, todas as grandes potências voltam-se para esse "caldeirão de bruxa"; parecem estar certificando que o Afeganistão detém as chaves do equilíbrio, ou do caos, do mundo. Em primeiro lugar, as nações livres. Barack Obama encerrou a guerra insana lançada contra o Iraque. Em compensação, decidiu fazer da guerra contra os taleban a espinha dorsal da sua nova diplomacia oriental. Grã-Bretanha, França e alguns outros membros da Otan apoiam o presidente americano. A enorme mobilização do Ocidente (94.500 soldados de 40 países) é um fracasso. Os taleban avançam por todas as partes. Os EUA continuam firmes. Mas e seus aliados? Londres aceitará por muito tempo ainda ver a fileira de caixões que retornam com corpos de seus soldados? Na França, o debate é acalorado. O Afeganistão é um atoleiro, mas deve-se abandonar o país para fanáticos que apedrejam mulheres adúlteras, fecham as escolas de meninas, torturam e impõem a terrível justiça islâmica? Nem o jornal de esquerda Libération apoia a saída dos soldados franceses. Os ocidentais não são os únicos a observar essas eleições. Enquanto em 2001, após o atentado contra o World Trade Center, os EUA exerciam uma influência total e quase exclusiva sobre o Afeganistão, hoje essa hegemonia diminuiu. Todas as nações se acercam do Afeganistão e a influência americana já não é tão grande no país. Os americanos, que lutam para salvar o Afeganistão, são considerados ocupantes e invasores até pela população "não-taleban". Mesmo o presidente Hamid Karzai, marionete dos EUA, vem procurando se distanciar de Washington. E tentando fazer com que outras potências entrem no jogo, como um "contrapeso" aos EUA. Por exemplo, a Rússia, o que é uma surpresa. Há 30 anos, Moscou invadiu o Afeganistão, onde os soviéticos adotaram o terror durante dez anos, antes de abandonar pateticamente sua presa, em 1989. Pois Karzai acaba de encomendar material militar dos russos. O fato é que a Rússia, potencia da Ásia Central, detém trunfos geográficos importantes. Por exemplo, os americanos, com dificuldades para enviar provisões militares para o Afeganistão pelo sul, viram-se obrigados a pedir ao governo de Moscou autorização para abastecer as tropas da Otan usando bases controladas pela Rússia na Ásia Central. Outro país que retorna é o Irã. Outra anomalia. O Irã é um país muçulmano xiita. O Afeganistão (incluindo o Taleban) é fortemente sunita. Ora, sunitas e xiitas se odeiam. É por isso que os iranianos até agora se mantinham à distância. Mas agora os iranianos não hesitam em favorecer os taleban, embora sejam sunitas, pois esta é uma oportunidade para prejudicar os americanos. Em resumo, Teerã prefere mais o demônio "sunita taleban" do que o "demônio americano". Mesmo a China "olha com ternura" para o Afeganistão. Pequim, que jamais se desinteressou da Ásia Central, tem duas razões suplementares para reaparecer no cenário afegão. Recentemente houve violentas revoltas na província chinesa de Xinjiang, habitada por muçulmanos uigures. Os chineses, então, lançam uma "ofensiva de charme" na direção de Cabul, com o objetivo de obter ajuda para controlar os focos islâmicos de Xinjiang. E Pequim tem uma segunda motivação: a indústria chinesa é um gigante com fome de matéria-prima. Os chineses acabaram de assinar com os afegãos um enorme contrato que lhes dá o direito de explorar a mina afegã de Aynka, segunda reserva mundial de cobre. Um golpe de mestre. Pequim se instala com toda força no Afeganistão. Seria necessário continuar com esse inventário de grandes países que tentam se reinserir no Afeganistão, aproveitando o conflito com o Taleban, o que explica o grande interesse com que é aguardado o resultado das eleições de hoje. O Paquistão, como sempre dividido entre seu apego ao Ocidente e sua simpatia pelos "islâmicos" e o Taleban, faz parte desse rol de países, como a Arábia Saudita, que gostaria também de assumir o papel de "mediadora" em meio a toda a cobiça religiosa, política ou econômica dos países que se enfrentam e se dividem em torno de Cabul. *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.