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Intransigência e cisões ameaçam negociações em Honduras

Governo interino não admite volta de Zelaya e ativistas do líder deposto divergem sobre Constituinte.

Por Bruno Accorsi
Atualização:

A intransigência do governo interino em não admitir o regresso ao poder do presidente deposto, Manuel Zelaya, e cisões na facção que apóia o líder afastado de Honduras poderão emperrar o avanço das negociações para pôr fim à crise política no país. Uma delegação da Organização dos Estados Americanos (OEA) deixou Honduras nea quinta-feira, após ter supervisionado a primeira negociação realizada diretamente entre os dois grupos, na quarta-feira. Mas nenhuma das reivindicações da entidade foi cumprida ao longo da visita, apesar da grande expectativa que cercava a visita da OEA, cuja presença era vista no país como um pontapé inicial de um processo de negociação. O presidente interino, Roberto Micheletti, mostrou-se irredutível em sua postura de não admitir o regresso de Zelaya ao poder. Ele afirmou que estaria disposto a abrir mão da presidência, mas desde que o líder deposto fizesse o mesmo e um terceiro nome fosse alçado à liderança do país. Repreensão na TV A OEA se viu ainda mais acuada após seus integrantes terem sido repreendidos em uma reunião com Micheletti transmitida para todo o país em cadeia de TV. Para Ruy Casaes, o embaixador do Brasil na OEA e representante do país nas negociações, as declarações do líder hondurenho pareceram ser mais uma postura voltada para o público interno de Honduras do que um posicionamento político genuíno. Isso porque, segundo o embaixador, durante as conversações, o líder interino teria se mostrado mais moderado. Um outro sinal de que as frases do líder interino talvez não possam ser levadas ao pé da letra se deu na segunda-feira, quando Micheletti anunciou o fim do de estado de sítio. O regime de exceção foi decretado cinco dias após Zelaya ter regressado clandestinamente a Honduras e se refugiado na embaixada do Brasil. A medida impedia a realização de reuniões com mais de 20 pessoas e restringia a liberdade de expressão. O anúncio do fim do regime de exceção foi feito pelo presidente em uma entrevista coletiva. Mas no mesmo dia no mesmo dia, uma manifestação pacífica realizada em frente à embaixada dos Estados Unidos foi dispersada com gás lacrimogêneo e golpes de cacetete. Para que o fim do decreto fosse formalizado, ele teria de ser publicado no Diário Oficial hondurenho, fato que não havia ocorrido até quinta-feira. Micheletti também se nega a deixar a Presidência antes da realização da eleição presidencial, marcada para o dia 29 de novembro, mesmo diante da ameaça de que se Zelaya não for restituído até a data do pleito, este não será reconhecido pela comunidade internacional. Divergências No campo de Zelaya, as dificuldades parecem ser internas. O presidente deposto indicou três representantes para as discussões, dois ex-integrantes de seu gabinete e um nome egresso da nova força política do país, a Frente Nacional de Resistência ao Golpe, formada por sindicalistas, camponeses e representantes de movimentos sociais. Os representantes de Zelaya foram Victor Meza, que respondia pela pasta do Interior, Mayra Mejía, ex-ministra do Trabalho, e o sindicalista e representante da Frente, Juan Barahona. Barahona declarou na quinta-feira que as negociações estavam em "ponto morto" e que a Frente Nacional de Resistência ao Golpe jamais abrirá mão do projeto de convocar uma Constituinte. Tema polêmico A convocação de uma Constituinte foi o estopim da deposição de Zelaya. O presidente hondurenho havia convocado uma consulta popular para o dia 28 de junho na qual indagava os eleitores se eles aceitariam a formação de uma Constituinte. Mas a Constituição hondurenha impede consultas de tal natureza e exige que qualquer dirigente que tente modificar a carta do país seja afastado do cargo. Os opositores viram o gesto de Zelaya como uma manobra para que ele se candidatasse a um segundo mandato, algo proibido pela lei hondurenha. O Acordo de San José, formulado pelo presidente costarriquenho Oscar Árias e que vem servindo de base às negociações entre os dois campos, determina que Zelaya abriria mão do projeto da Constituinte, e o presidente deposto consentiu com a exigência. Na quinta-feira, Barahona afirmou que a Frente irá aceitar um acordo que tenha o aval de Zelaya, mesmo que ele não inclua a convocação de uma Constituinte, mas acrescentou que os militantes continuarão a reivindicar por ela nas ruas de Honduras. "Ele é um representante dos movimentos sociais. E eu represento o gabinete do presidente", afirmou o ex-ministro Victor Meza, a respeito da postura divergente de Barahona. Mas Meza ignorou o fato de que, ao menos em teoria, todos os três representantes do líder deposto deveriam estar levando para a mesa de negociações as plataformas defendidas unicamente por Manuel Zelaya. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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