Invasão é agressão inédita a símbolo da democracia americana, diz ex-embaixador

Diplomata afirma que ações de extremistas pró-Trump são típicas de 'repúblicas das bananas' e inimagináveis em uma democracia como a dos EUA

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Por Paulo Beraldo e Andreza Galdeano
Atualização:

Embaixador do Brasil em Washington entre 2004 e 2007, Roberto Abdenur comentou sobre os protestos pró-Donald Trump realizados por extremistas nesta quarta-feira, 6, e afirmou que essas ações são típicas de "repúblicas das bananas" e inimagináveis em uma democracia consolidada como a dos Estados Unidos.

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Segundo Abdenur, que também foi embaixador na China e na Alemanha, o ideal nesse momento seria que houvesse um movimento no Congresso americano para o impeachment do presidente Donald Trump, mas destaca que isso não vai acontecer faltando apenas duas semanas para a posse de Joe Biden

O embaixador enfatizou a vitória dos candidatos democratas no Senado - o partido controlará a Câmara dos Deputados e a Casa Branca, o que permite uma maior fluidez para a agenda do presidente eleito. "Dará mais força aos esforços do Biden de atenuar as tensões, reduzir os ódios e as divisões que são tão dramáticas."

Explosão causada por uma munição policial é vista enquanto apoiadores de Donald Trump se reúnem em frente ao Capitólio dos EUA Foto: Leah Millis/ Reuters

Qual a sua avaliação sobre a invasão dos radicais pró-Trump no Capitólio? 

Não fico totalmente surpreendido porque o Trump desde muito cedo já vinha atiçando os seus apoiadores a tomarem atitudes de questionamento sobre o resultado das eleições. Ele começou dizendo que a única maneira de perder a eleição seria se ela fosse falsificada. Depois, seguiu repetindo o mesmo discurso até o resultado desfavorável.

Agora há pouco finalmente fez um pronunciamento pedindo para que as pessoas voltassem para casa, mas, antes de terminar com essa recomendação, esculhambou os democratas e repetiu as mesmas mentiras de que roubaram a eleição. É muito sério o que aconteceu. São cenas inéditas, inacreditáveis, dignas de uma 'república das bananas'. 

Nos meus tempos em Washington, vi que certos lugares, sedes do poder americano e do governo americano, são quase que sagradas. O Supremo, a Casa Branca e o Capitólio são lugares sagrados - o Capitólio é o símbolo da democracia americana, a Casa do legislativo, do poder que emana do povo. Nunca pensei em assistir cenas como essas. 

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Qual o significado dessas ações para o futuro da democracia americana? 

É horrível. É uma agressão muito forte, estimulada, atiçada, incentivada pelo Trump contra o próprio regime democrático. O ideal no momento seria que houvesse um movimento no Congresso para o impeachment do Trump, mas isso nunca vai acontecer faltando duas semanas para deixar o cargo.

E as lideranças republicanas, com algumas honrosas exceções, vão minimizar a situação e dizer que não estimularam a violência e a invasão do Capitólio. Fiquei muito impressionado com a postura digna do Mitch McConnell, o líder da maioria, um sujeito que sempre serviu ao Trump, mas fez um discurso de estadista dizendo que se o Congresso revirasse o resultado das eleições seria um grave atentado à própria democracia.

É um dos republicanos lúcidos e equilibrados que se afastaram do Trump. O próprio Mike Pence emitiu uma nota que deixava claro que ele não teria o poder de alterar o resultado das eleições. E então um  vice-presidente republicano que serviu ao Trump durante quatro anos passou a ser um dos alvos das agressões impetradas por estímulo do Trump. 

O diplomata Roberto Abdenur em entrevista ao 'Estado' Foto: Alex Ribeiro/Estadão

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Essas ações prenunciam algum ato de violência para a posse de Joe Biden, marcada para 20 de janeiro?

Me pergunto o que vai acontecer no dia da posse do Biden. Será preciso um esquema de segurança muito grande e podem surgir novos episódios de violência por essa gente tresloucada que confia no Trump. Note-se: todo mundo branco, são brancos de baixo nível cultural e estão com Trump e não abrem. Desde cedo no processo eleitoral eu temia isso.

Lá no contexto das eleições, no dia 3 de novembro, o que felizmente não ocorreu. Mas essa turma do Trump é uma turma violenta, que gosta de andar armada. Esse episódio de violência foi um sintoma extremado do radicalismo sobre o qual Trump construiu as suas bases políticas.

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Que papel o presidente eleito Joe Biden deve exercer a partir agora? 

Joe Biden terá de fazer um trabalho muito grande para recuperar a harmonia, o diálogo e a união entre os americanos. Vai ser muito duro porque essa fatia grande, esses 70 ou 80 milhões de seguidores do Trump, em sua maioria acreditam nas mentiras, nas teorias conspiratórias e isso vai perdurar.

Foi muito bom que os democratas tenham conquistado as duas cadeiras do Senado na Geórgia. Será ótimo para o mundo todo o Senado americano ficar na mão dos democratas. Dará mais força aos esforços do Biden de atenuar as tensões, reduzir os ódios e as divisões que são tão dramáticas.

Existe algum tipo de judicialização ou responsabilização possível para Trump?

Falta pouco tempo e o Congresso esta dividido. Como já foi demonstrado nesse início de debate, poderá haver alguns republicanos que estavam inclinados a defender o Trump e também pode ser que alguns se retraiam diante dessa barbaridade, mas acredito que maioria continuará a endossar o que disse e repetiu agora. Não vejo possibilidade de alguma ação de caráter penal, criminal ou judicial. Isso seria complicar ainda mais as coisas. O próprio Biden não gostaria disso. Agora é melhor virar a página e esperar que não ocorram nossos episódios nessas duas semanas.

Podemos dizer que Trump sai da presidência, mas o trumpismo fica? 

Sim, o Trump vai continuar agitando. Ele juntou US$ 200 milhões em doações, a maior parte de pessoas modestas, humildes, para um comitê de ação política, do qual ele vai se valer para fazer campanhas, viajar, fazer comícios... O Trump não vai se recolher a menos que algum dos processos que estão no momento congelados contra ele leve a algum resultado.

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