CARACAS - Primeiro enviaram cinco navios com gasolina e semanas depois um barco carregado com alimentos para inaugurar o primeiro supermercado iraniano na Venezuela. Um negócio que representa competição para os produtores locais e um desafio aos Estados Unidos, inimigo dos dois países aos quais impõe severas sanções.
Há tempos Caracas e Teerã são alvo das críticas do governo do presidente Donald Trump, que chama o líder venezuelano, Nicolás Maduro, de ditador e assegura que o governo do país persa tem vínculos com o terrorismo.
“Nós, países sob sanções, podemos ajudar-nos. Por exemplo, a Venezuela tem muitos produtos que não há no Irã e os venezuelanos têm muitas necessidades que podemos suprir”, disse Issa Rezaei, vice-ministro da Indústria do Irã à TV estatal venezuelana na inauguração do novo supermercado, no dia 30.
Megasis, instalado em um bairro de classe média cercado pela imponente montanha de Ávila e com uma panorâmica da empobrecida favela de Petare, é propriedade da Etka, um consórcio operado pelo Ministério de Defesa iraniano. O galpão, de 20 mil², pertencia à rede de hipermercados franco-colombiana Éxito, expropriada em 2010 por ordem do presidente Hugo Chávez, morto em 2013.
Entregar este supermercado ao Irã é uma “demonstração de que tudo que foi expropriado pelo chavismo fracassou, além de representar uma bofetada às sanções de Washington”, disse o economista José Manuel Puente, professor do Centro de Políticas Públicas do Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA).
Compradores com máscaras, de uso obrigatório por causa da covid-19 - que, segundo números oficiais, teria infectado cerca de 20 mil pessoas na Venezuela -, têm feito longas filas para entrar no supermercado. Em seu interior, os clientes caminham curiosos pelos corredores. Ao lado de produtos iranianos, como roupas, mel, cordeiro enlatado e tâmaras, encontram vários com a etiqueta “Made in USA”, país com quem o Irã carrega quatro décadas de inimizade.
Ana María Chávez, uma professora de 29 anos, que mora perto do supermercado, comprou 12 rolos de papel higiênico iraniano e outros produtos de higiene que estavam “mais baratos” que em outros lugares.
Vários dos produtos importados, como o grão de bico, têm preços mais competitivos que os cultivados na Venezuela, graças à exoneração dos impostos às importações de alimentos, uma medida questionada por muitas cooperativas agrícolas.
“Os iranianos estão competindo de modo desleal, pois muitos dos produtos que trazem não pagam impostos de exportação”, destaca Puente.
A Venezuela está entrando em seu sétimo ano de recessão e seu quarto de hiperinflação. A crise impede que quatro em cada cinco venezuelanos tenham acesso aos produtos da cesta básica, segundo a Pesquisa Nacional de Condições de Vida, conduzida por três das principais universidades do país. Para Puente, apesar da retórica anti-EUA que Caracas e Teerã compartilham, a relação “não resolverá o ciclo de desastre que a Venezuela vive”. / AFP