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Irã inquieta mais que Israel

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Por Issa Goraieb
Atualização:

Onde estará a lendária prudência do reino petrolífero da Arábia Saudita? A enorme influência que esse reino desfruta no mundo árabe muçulmano jamais decorrera de seu poderio militar, mas sim de seus recursos financeiros, que ele emprega para assegurar a amizade ou cooperação de países menos favorecidos. Suas intervenções armadas fora do país são raras e sempre motivadas por incêndios às suas portas: tomou parte na Operação Tempestade do Deserto contra o Iraque de Saddam Hussein e, em 2011, enviou tropas ao Bahrein para ajudar o emirado vizinho a reprimir uma rebelião xiita.Para os sauditas, o Iêmen sempre foi um vizinho problemático, com o qual compartilham cerca de 1,8 mil quilômetros de fronteiras difíceis de controlar. Desde a deposição da realeza nesse país, em 1962, a Arábia Saudita nunca deixou de levar seu apoio - de longe - a um ou outro protagonista. Mas tudo mudou com as vitórias sucessivas nos últimos meses dos houthis (rebeldes zaidis, comunidade religiosa aparentada ao xiismo). Após terem conquistado a capital, Sanaa, em setembro, os houthis se apossaram de grandes porções de território obrigando o presidente Abd-Rabu Mansur Hadi a se retirar para segunda maior cidade do Iêmen, Áden, chegando enfim a pedir refúgio aos sauditas. Tais desdobramentos são ainda mais graves, pois os houthis são apoiados pelo Irã que, ao longo dos anos, se tornou o bicho-papão da maioria dos Estados árabes.Ao montar a Operação Tempestade Decisiva (que se limita, por enquanto, a ataques aéreos contra as posições dos rebeldes), o reino wahabita julgou que o grau de risco chegara a um limite e uma ação tornara-se imperativa. Essa inquietude não se explica somente pela ordem geopolítica - a fenomenal ascensão de poder de Teerã e a atitude julgada muito conciliadora dos EUA. Mas as tensões crescentes dos últimos anos entre os dois ramos principais do Islã, o sunita e o xiita, só fizeram aguçar a desconfiança dos árabes com relação ao Irã.É notável a amplitude da coalizão que a Arábia Saudita conseguiu reunir para enfrentar o "perigo" iraniano. Além de seus parceiros no Conselho de Cooperação do Golfo (Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Catar e Bahrein), ela inclui Egito, Jordânia, Marrocos e Sudão - todos governados por sunitas, apesar de alguns abrigarem importantes minorias xiitas. Embora sunitas, mas não árabes, o Paquistão e a Turquia evitam se envolver. Único país muçulmano com armas nucleares e beneficiando-se de uma generosa ajuda financeira saudita, o Paquistão hesita em aderir à coalizão, limitando sua contribuição a uma supervisão técnico-militar. A Turquia deu seu apoio à aliança, mas não quer se juntar a ela por temer passar a impressão de estar provocando seu vizinho iraniano.É notável também a facilidade com que a Arábia Saudita conseguiu obter o apoio quase unânime da Liga Árabe à criação de uma força de intervenção conjunta, ao que parece abrindo caminho para operações terrestres no Iêmen. Foi a primeira vez que um projeto de reagrupamento dos árabes armados não teve por alvo o velho inimigo israelense.Mais que a deglutição israelense dos territórios palestinos, o que tem inquietado os árabes é o expansionismo iraniano nos combates do Iraque e da Síria; um Irã no qual vários dirigentes evocam a reconstituição do Império Persa; um Irã que com o acordo de Lausanne vê reconhecido seu direito à tecnologia nuclear pacífica e recupera o respeito internacional. Muitas cabeças coroadas árabes não dormem mais à noite. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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