PUBLICIDADE

Irã rico, jovem e refém do atraso

Embalado pelos petrodólares e o programa nuclear, Ahmadinejad exporta imagem de radicalismo que não se vê na população do país

Por Adriana Carranca e TEERÃ
Atualização:

Em agosto de 2005, quando o populista Mahmud Ahmadinejad assumiu a presidência da República Islâmica do Irã, o país ainda vivia a expectativa causada pelo lento processo de aproximação com o Ocidente iniciado pelo seu antecessor no cargo, clérigo Mohammad Khatami, um moderado. Dois anos após a posse, Ahmadinejad consolidou uma imagem completamente diferente no exterior - o de mais controvertido e ameaçador líder antiocidental do Oriente Médio.  Assista a vídeo com relato da repórter e leia mais sobre o Irã   Iranianas em busca da igualdade Uma voz feminina que desafia os aiatolás Transexualismo é única saída para os gays Geração pós-revolução quer avanço Os tesouros da Pérsia que o mundo desconhece Polícia do Irã fecha cerco a jovens Teerã aperta cerco contra imprensa 'O Ocidente deveria atrair o Irã' Blog Sob seu governo, o Irã enfrentou a comunidade internacional com um programa nuclear polêmico, aproximou-se do encrenqueiro Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e expandiu sua influência nos países vizinhos. Parte dos US$ 310 bilhões que o país arrecada por ano com as exportações de petróleo é canalizada para apoiar o Hezbollah, no Líbano, o Hamas, nos territórios palestinos, e partidos xiitas no Iraque. Por tudo isso, e também graças ao seu estilo provocador - Ahmadinejad chegou a negar a existência do Holocausto -, o presidente americano George W. Bush o elegeu seu principal desafeto. A imagem que Ahmadinejad passa, ou que o Ocidente tem dele, no entanto, está longe de representar o Irã moderno, predominantemente jovem (70% da população nasceu após a Revolução Islâmica de 1979, que instaurou a teocracia no país), com acesso à educação em avançadas instituições de ensino. O maior exemplo vem das mulheres, que aprenderam a driblar leis discriminatórias e hoje ocupam 67% das universidades e metade dos postos de trabalho. O populista ex-prefeito de Teerã foi levado à presidência pelas mãos do regime que vinha perdendo o contato com a sua base (a maioria composta de pobres e camponeses que fizeram a Revolução Islâmica), por conta da abertura iniciada por Khatami. O líder supremo, Ali Khamenei, viu no novo presidente a chance de o regime reaproximar-se do povo. Eleito com promessas de reduzir a desigualdade, Ahmadinejad abraçou o programa nuclear que os aiatolás rapidamente transformaram numa bandeira de união nacional contra a ameaça externa. "Ahmadinejad mantém o discurso da revolução, mas voltar no tempo é impossível. Essa geração não quer revolução, e sim modernização e prosperidade", diz o analista político Mohammad Soultanifar, da Universidade de Azad. POPULISMO Mesmo com o aumento da receita de exportação do petróleo, que quadruplicou nos últimos dois anos, o Irã não avança. A máquina estatal inchou, os gastos públicos cresceram e a inflação disparou - e nada de investimentos do governo que melhorem a situação dos iranianos, dos quais 40% vivem na pobreza. Em julho, na maior manifestação desde a posse de Ahmadinejad, centenas de pessoas chegaram a queimar postos de gasolina em protesto contra o racionamento do produto. O Irã é o segundo maior produtor de petróleo da Opep, mas importa 40% da gasolina que consome porque não tem infra-estrutura para o refino. No mesmo mês, 57 economistas e 150 membros do Parlamento, incluindo integrantes da base governista, assinaram duas cartas com críticas à política econômica do presidente. "Fui à guerra por quatro anos. Hoje, temos petróleo e não posso usar. Não foi para isso que fizemos a revolução", diz um taxista que circula há 25 anos em Teerã. "Meu pai tinha cinco filhos e todos estudaram. Hoje, não consigo pagar a faculdade do meu único filho." "Não negamos a existência de problemas econômicos e estamos trabalhando para solucioná-los. Agora, isso não se resolve em dois anos", disse ao Estado o deputado Kazem Talalai, porta-voz da Comissão de Segurança Internacional e Política Externa. Na entrevista concedida em seu escritório, sob um quadro com versos do Alcorão, Talalai disse que o Irã está buscando parcerias na região. Admitiu apoio do país a grupos considerados terroristas pelo Ocidente, como o Hamas e o Hezbollah. "Apoiamos porque temos semelhanças de visão, religião e política externa", disse. O Irã também tem intensificado acordos comerciais com China, Índia e Paquistão, além da Venezuela. Pelo complexo sistema de divisão de poder criado após a Revolução de 1979, o presidente tem autonomia limitada para governar - uma artimanha inventada pelos aiatolás para assegurar o poder (veja quadro). Na prática, os clérigos controlam os principais setores da economia, incluindo o do petróleo. A maior parte pelas mãos do Estado, mas pelo menos 20% do PIB são geridos por fundações de caridade religiosa conhecidas como bonyad. Essas fundações paraestatais funcionam com autonomia e produzem grande parte do que os iranianos consomem - incluindo a Coca-Cola. Suas contas ou orçamento não são divulgados, o que facilita a corrupção. Um exemplo do poder dessas bonyad é a Guarda Revolucionária, força de elite que atua fora da área de influência das Forças Armadas. Suas atividades econômicas estendem-se para a indústria farmacêutica e de telecomunicações. A Guarda Revolucionária foi acusada pelo governo americano de financiar grupos insurgentes xiitas do Iraque. PROGRAMA NUCLEAR A maior pressão contra Teerã, no entanto, é sobre o programa nuclear. "Enquanto tivermos petróleo, temos o que o mundo precisa", diz Soultanifar, referindo-se à ameaça de sanções econômicas que, para ele, não impedirão o Irã de prosseguir com seu programa atômico. "O problema do Irã não é o programa nuclear em si, mas o fato de sua política externa ser baseada em ideologia, o que só tem trazido insegurança ao país", diz o jornalista Mehran Ghassemi, editor do diário iraniano Etemad-e-Meli. A popularidade de Ahmadinejad dá sinais de declínio também entre os conservadores. Há um mês, o conservador Jomhury-e Eslami, jornal alinhado com os clérigos linha-dura, publicou um editorial em que reforçava o direito de o país desenvolver energia nuclear, mas criticava a forma como o presidente vem conduzindo o assunto na comunidade internacional. Especialistas acreditam que o Irã terá capacidade de produzir bombas nucleares entre cinco e dez anos. Para os iranianos, o programa nuclear é um símbolo de soberania nacional. Recentemente, o embaixador do Irã na ONU, Javad Zarif, criticou o Conselho de Segurança por não impor sanções contra Israel por seu arsenal nuclear. "Os iranianos desconfiam do Ocidente, principalmente dos EUA. Muitos acreditam que eles querem impedir o Irã de se desenvolver", afirma o cientista político Sadegh Zibakalam, da Universidade de Teerã."Paradoxalmente, a pressão americana está dando mais poder a Ahmadinejad." Uma ofensiva militar americana contra o Irã acabaria com o processo de modernização do país, que avança pelas mãos da geração pós-revolução, e uniria o povo em torno do regime teocrático. Foi o que ocorreu durante a sangrenta guerra entre Irã e Iraque (1980-1988). Ao contrário do que se imagina, o iraniano comum não tem nada contra o Ocidente - apenas não confia, principalmente depois das invasões dos EUA aos vizinhos Afeganistão e Iraque. Eles lembram como o processo democrático no país foi barrado em 1952 com a ajuda de americanos e britânicos, que apoiaram o golpe contra o então primeiro-ministro secular, Mohammad Mossadeq, um herói nacionalista. "Os governos e os regimes vêm e vão, mas o povo fica. Falamos a mesma língua, o farsi, há 4 mil anos. Seja quem for, vamos nos unir contra a ameaça externa", diz o cirurgião plástico Parsa Zapar. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.