Irã triplicará processamento de urânio

TV estatal iraniana anuncia escalada sem precedentes no enriquecimento de material nuclear e transferência de reatores para bunker escondido no interior de montanhas; decisão seria resposta a novo tom adotado por agência atômica da ONU

PUBLICIDADE

Atualização:

TEERÃO Irã anunciou ontem que triplicará sua produção de urânio enriquecido a 20%, processamento que passará a ser realizado em um bunker enterrado nas montanhas. Anunciada pela TV estatal iraniana, a decisão é uma resposta a declarações recentes do diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o japonês Yukiya Amano, expressando "preocupação sobre as possíveis dimensões militares" do programa iraniano.A possibilidade de o Irã transferir parte de seus reatores para um local sob forte proteção militar vinha sendo discutida por diplomatas estrangeiros e analistas. A decisão de escalar a produção de urânio enriquecido, porém, deve intensificar a tensão entre Teerã e potências ocidentais, que acusam os iranianos de estarem em busca da bomba nuclear. "Nossa resposta é a ampliação do trabalho na esfera de tecnologia nuclear", anunciou a repórteres Fereydoun Abbasi, principal cientista do programa atômico iraniano, após participar de uma reunião com o gabinete da República Islâmica.Potências ocidentais, como EUA e França, qualificaram o anúncio do Irã de "provocação". "Estamos preocupados com as intenções anunciadas pelo Irã de continuar reforçando seu programa de enriquecimento (nuclear) e com a violação de suas obrigações internacionais", declarou o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Tommy Vietor. "Ele (o anúncio) reforça os temores da comunidade internacional em relação à intransigência do Irã e sua persistente violação do direito internacional", afirmou uma nota da chancelaria francesa.A agência atômica da ONU, comandada por um conselho de 35 países, disse ter sido informada dos novos planos atômicos do Irã pela imprensa. "O Irã ainda não informou a agência sobre nenhuma decisão", afirmou Gill Tudor, porta-voz da AIEA.Atualmente, o Irã processa urânio na usina de Natanz e a maior parte do material nuclear é enriquecida a 3,5% - taxa adequada para a geração de energia elétrica. O novo local onde funcionarão os principais reatores iranianos chama-se Fordo e fica ao lado de um complexo militar. As instalações estão na região de Qom - um dos principais centros xiitas de estudos islâmicos - e foram mantidas em segredo até Estados Unidos e países europeus revelarem sua existência ao mundo, em 2009. As potências acusaram o Irã de construir Fordo para fins militares e, sob pressão, Teerã aceitou autorizar inspetores da AIEA a vistoriar o local.Segundo um relatório da agência da ONU, Fordo deverá abrigar mais de 3 mil reatores, que entrarão em funcionamento "no verão" (entre junho e setembro). Atualmente não há nenhum reator no complexo.Isótopos. Teerã já havia anunciado que pretende enriquecer urânio a 20% por meio de equipamentos mais modernos. O objetivo seria usar esse material nuclear para operar uma centrífuga de 44 anos - de fabricação americana - que produz isótopos para uso médico.Para fabricar uma bomba, é preciso enriquecer urânio a níveis acima de 90%. Ontem o Institute for Science and International Security, um centro de pesquisa sobre política nuclear de Washington, afirmou que a implementação de Fordo poderia, dentro de um ano, permitir ao Irã produzir urânio para uma bomba, "caso decida fazê-lo". Em reação às declarações do diretor-geral da agência da ONU, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, havia afirmado que o diplomata japonês "trabalha para Washington".Há exatamente um ano, o Conselho de Segurança da ONU adotou a quarta resolução contra o programa iraniano. O organismo impôs várias restrições comerciais em "áreas sensíveis", como a nuclear e a militar do Irã. / REUTERS e WASHINGTON POSTPARA LEMBRARPaís passa por divisão políticaA decisão do líder supremo do Irã, aiatolá Khamenei, de intervir no gabinete ministerial do presidente Mahmoud Ahmadinejad evidenciou um racha entre os dois líderes iranianos. Khamenei reverteu em abril a decisão de Ahmadinejad de demitir o ministro da Inteligência Heydar Moslehi. Em protesto, Ahmadinejad ausentou-se de cerimônias oficiais por 11 dias.De acordo com o deputado Morteza Agha-Tehrani, próximo a Ahmadinejad, o aiatolá chegou a dar um ultimato ao presidente: que ele aceitasse o ministro, ou renunciasse. Em maio o presidente nomeou ele mesmo ministro do Petróleo, um dos cargos mais importantes do país, que ocupa a presidência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Pressionado, recuou.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.