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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Iraque aspira a papel próprio no Golfo

Disputado pelos vizinhos, país não quer ser cliente das potências regionais, mas ter projeção própria

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Atualização:

Ao longo desses dez anos desde a invasão americana do Iraque, tornou-se lugar comum dizer que os Estados Unidos entregaram de bandeja o país ao Irã. Sendo dois terços de sua população xiita, o Iraque historicamente foi governado por uma elite sunita. Não só a derrubada de Saddam Hussein – que, como os outros ditadores árabes, mantinha uma retórica anti-sectária e secularista –, mas, principalmente, a introdução do conceito de que a maioria escolhe o governo, instalou necessariamente um governo xiita em Bagdá. Mas xiita não significa necessariamente cliente do Irã.

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Ao lado da identidade religiosa, existe também o corte étnico. Há uma tensão histórica entre árabes e persas. Dependendo do momento e dos aspectos em jogo, a identificação étnica pesa mais que a religiosa. Talvez mais importante ainda, nesse caso, são os interesses nacionais. A visão de que o Estado-nação – e a ideologia e sentimentos que o acompanham – dissolveu-se completamente depois da invasão é exagerada.

O Iraque está voltando a ser grande produtor de petróleo (7˚ em produção, 5˚ em reservas), considera-se “berço da civilização”, já gozou de infra-estrutura moderna e de grande influência política e cultural no mundo árabe, e até a invasão do Kuwait, em 1990, era cortejado pelas potências ocidentais. Por tudo isso, o país não aceita para si o papel de cliente, seja do Irã, da Arábia Saudita ou da Turquia, respectivamente como as matrizes da teocracia xiita, do conservadorismo sunita e do Islã democrático. Bagdá, ela mesma cenário da maior miscigenação religiosa e que acalenta o sonho de recuperar o seu cosmopolitanismo, quer recuperar o seu próprio peso, o seu próprio papel no Golfo “Pérsico”, que os iraquianos chamam de “Arábico”.

Algumas contingências, no entanto, têm prejudicado esse projeto, que pressupõe um apaziguamento do sectarismo. A maior delas, hoje, é o conflito na Síria, entre um regime alauíta – ramificação do xiismo – e uma maioria sunita. A ajuda iraniana ao regime sírio atravessa o território iraquiano, que também serve de base a grupos radicais sunitas que atuam na Síria, incluindo Al-Qaeda. Por trás deles, estão os governos e famílias bilionárias das monarquias do Golfo, sobretudo da Arábia Saudita e do Catar. A paranoia saudita frente à projeção iraniana sobre o Iraque inibiu iniciativas de Bagdá de aproximação a Riad. Até hoje a Arábia Saudita mantém fechado o posto de fronteira de Arar, vital para o comércio entre os dois países.

Ex-exilado na Síria, o primeiro-ministro Nuri al-Maliki tem um passado político de forte identidade xiita, mas adotou uma retórica secularista no fim da década passada, para credenciar-se como líder nacional. Não conquistou essa imagem, mas, com exceção de seus opositores, não é visto, pelos iraquianos comuns, como “entreguista” ou “lacaio do Irã”, observa uma fonte bem informada em Bagdá. Seu nome emergiu em 2006, quando foi eleito chefe de governo pela primeira vez, como meio termo entre o ex-primeiro-mnistro Ibrahim Jaafari, do mesmo partido que ele, e nome preferido dos iranianos, e Ayad Allawi, xiita secular, também ex-chefe de governo, e líder de uma coalizão de grupos xiitas e sunitas moderados.

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Num certo sentido, Al-Maliki representa um Iraque em crise de identidade, cercado de vizinhos que disputam a hegemonia sobre ele – Turquia, Irã e Arábia Saudita – ou são o palco sangrento dessa mesma disputa, como é o caso, hoje, da Síria.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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