Iraque já vive guerra civil, afirma especialista em conflitos

Segundo pesquisador da Universidade de Yale, a violência sectária no país já apresenta principais características de uma guerra civil

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Por Agencia Estado
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O Iraque está guerra civil. Segundo todas as definições acadêmicas para conflitos desse tipo, o país vive uma fase de violência entre grupos dentro de suas fronteiras que não tem outra definição a não ser a de uma guerra civil. A análise é de Nicholas Sambanis, professor-assistente de ciências políticas da Universidade de Yale, nos EUA. Sambanis é diretor-associado do grupo de estudos das Nações Unidas da universidade, onde dirige um projeto de pesquisa sobre a política econômica das guerras civis. Também é autor de, entre outros títulos, Breaking the Conflict Trap : Civil War and Development Policy, além de editor de, entre outros, Understanding Civil War Europe: Evidence and Analysis; Europe, Central Asia and Other Regions. Qual a definição de guerra civil? É um conflito armado interno, que se passa dentro de um Estado soberano e organizado. Envolve grupos desafiando esse Estado. Essa é a definição consagrada em estudos acadêmicos. O governo deve estar envolvido. Deve haver uma luta entre grupos locais, que podem até receber auxílio externo. A violência deve ser recíproca. Se o governo apenas mata um grupo de pessoas isso não é chamado de guerra civil. Os rebeldes devem poder causar violência também. O nível de violência também é importante. Muitos usam o número de mil mortos, alguns usam 400, outros usam uma medida de mil no intervalo de um ano, ou mil desde o início do conflito. Por essa definição, há uma guerra civil no Iraque? Sim. Por que? Mais de mil mortos no conflito sectário, incluindo civis e membros de milícias. Os rebeldes são recrutados localmente pelos sunitas e xiitas. Eles enfrentam o governo localmente. A complicação no Iraque é que os EUA conturbam a situação em um nível substancial. O governo continua presente, mas isso não é tão incomum, já aconteceu várias vezes. Em guerras civis, é comum haver intervenção em favor de uma das partes envolvidas. A maioria delas, como Angola, Camboja e Vietnã tiveram a intervenção de estrangeiros em favor de uma das partes. Então, no Iraque, basicamente há um governo moderado sendo desafiado por extremistas, a maioria do lado sunita, mas também do lado xiita. Os dois matam membros do governo, policiais e militares, e civis. Além disso, o nível de mortes de civis nos últimos meses passou dos limites. Os terroristas são os culpados? É difícil dizer. Em guerras civis, é raro que um grupo possa agir sem algum grau de apoio popular. Então, se todos fossem contra, ficaria muito mais fácil de controlar o conflito. Deve haver algum apoio, mas não temos como saber o nível desse apoio. A maioria das guerras civis começa pequena. Mesmo algumas que duraram décadas, com dezenas de milhares de mortos, como o caso de Angola. Poderia ser o caso agora, se a insurgência continuar e passar a controlar algumas regiões. Então o apoio público é uma resposta a como eles vão nos conflitos. O ganho de território seria um índice de sucesso. Não necessariamente porque as pessoas concordam com o que está sendo feito, mas porque têm medo. Difícil dizer se o apoio público tem a ver com um apoio ideológico, ou é apenas uma forma de sobreviver. Mas o exército não está dividido, um elemento comum em guerras civis. É correto, o exército iraquiano não está dividido. Mas muitos dos insurgentes são parte do velho exército iraquiano. Então, se pensarmos nesse ponto dessa maneira, há sim uma divisão. Algumas guerras civis realmente começam com a divisão do exército, mas isso era mais comum antigamente. Hoje em dia, a maioria das guerras não começam dessa forma. Não precisa haver um exército dividido para iniciar um conflito desse tipo. Podem ser milícias de fora do exército. Na Colômbia, por exemplo, as Farc nunca fizeram parte do exército, mas há uma guerra civil. A duração do conflito não é visto como importante para definir se há ou não uma guerra civil? Esse conflito sectário começou em 22 de fevereiro. Não é pouco tempo para dizer que há uma guerra civil? Não há definição que inclua a duração do conflito. Há guerras civis que duram apenas alguns dias, ou meses. Há estudos que dizem que a guerra civil, em média, dura entre quatro e cinco anos. Há algumas que duram muito menos, e há também algumas que chegam a 30 anos. Alguns países tiveram guerras civis de 1948 até quase o fim dos anos 90. Pode a retirada diminuir o nível de violência no Iraque? Creio que não. Agora é provavelmente muito tarde para que a retirada americana tenha algum efeito nesse sentido. Porque o nível de violência já chegou em outro patamar. Temos pesquisas indicando que quando há uma intervenção externa,a guerra civil dura mais tempo. Mas não há indicação de que a intervenção aumente o nível da violência. Pode ser que a guerra dure mais tempo, mas com menor intensidade. Então o conflito no Iraque deve durar bastante? O prognóstico é que a guerra dure um longo tempo. Não há como reduzir o nível de violência agora que ele já estourou. Quando a insurgência acaba e a guerra civil começa? Não há grande diferença. Estamos lidando com números. Você pode chamar de guerra civil, ou de insurgência. Geralmente, não há semelhanças gritantes entre uma guerra civil e uma insurgência. Academicamente, acho que não há uma diferença grande. Não sei em que momento o Iraque passou desse limiar. Depende de quando você quer começar a contar, se do começo da invasão americana ou da data das eleições.

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