'Islamofóbicos ocupam o vácuo da ignorância com relação ao Islã'

Para escritor, pessoas como a blogueira Pamela Geller alimentam temores que remontam à Idade Média

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Por Cláudia Trevisan
Atualização:

 A ativista e blogueira Pamela Geller é a principal representante nos Estados Unidos do que o autor Todd Green chama de “indústria da islamofobia”. No início do mês, ela organizou o concurso de caricaturas do profeta Maomé que foi alvo de um atentado fracassado no Texas, no qual dois suspeitos foram mortos a tiros. Em 2012, Geller esteve por trás de uma série de anúncios que associava Israel à civilização e a jihad a “selvagens”.

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Na opinião de Green, pessoas como Geller ocupam o vácuo de ignorância ocidental em relação aos islamismo e demonizam os muçulmanos, alimentando temores que remontam à Idade Média. Autor do livro The Fear of Islam: An Introduction to Islamophobia in the West (O Medo do Islam: Uma Introdução à Islamofobia no Ocidente), Green é crítico da revista francesa Charlie Hebdo, alvo de um atentado que deixou 12 mortos em janeiro.

Em sua opinião, a publicação não faz sátira quando retrata questões muçulmanas. “Sátira tem por alvo pessoas em posição de poder ou privilégio. E os muçulmanos na França e no restante da Europa não estão em posição de poder e privilégio”, disse ao Estado.

A seguir, trechos da entrevista:

Como o sr. define islamofobia?

Minha definição básica é o medo, hostilidade e ódio em relação aos muçulmanos e ao islamismo e as práticas discriminatórias e excludentes que decorrem disso. E um sentimento enraizado na mentalidade de muitos governos e nações ocidentais, onde essas ansiedades são proeminentes em amplos segmentos da população. Há uma longa história, que remonta à Idade Média e obviamente vem até o século 21. Não é um medo novo, ainda que algumas das forças que o movam hoje sejam um pouco distintas do que eram 500 ou 600 anos atrás.

E quais são essa forças?

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Eu atribuo a atual islamofobia a três forças. A primeira é política. Há uma longa história de imperialismo ocidental que constrói os muçulmanos como o inimigo. Em parte pela percepção de que muçulmanos ficam no caminho de ambições imperialistas, seja no choque com o Império Otomano no século 16, no colonialismo europeu do início do século 20 ou no imperialismo americano do século 21. Os muçulmanos são percebidos como um grande obstáculo e frequentemente são desumanizados.

As outras duas causas são a falta de conhecimento que muitos ocidentais têm em relação ao Islã. Muito poucas pessoas nos Estados Unidos ou na Europa realmente sabem alguma coisa sobre tradições e história islâmicas. A maioria do que pensamos que sabemos vem principalmente da mídia, que tende a associar o Islã à violência e ao terrorismo.

Ou vêm de pessoas dedicas a produzir medo, como Pamela Geller. É o que chamo no meu livro de indústria da islamofobia. Isso cria um vácuo de ignorância que faz com que seja mais difícil ver os muçulmanos como humanos, como pessoas que compartilham muitos dos valores, esperanças e medos que nós temos.

Qual o papel de Pamela Geller nessa indústria?

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Às vezes me refiro a isso como islamofobia profissional. Quase sempre são ativistas ou blogueiros de direita, às vezes políticos na Europa e nos Estados Unidos, que ganham a vida demonizando e desumanizando muçulmanos. Nós não saberíamos quem eles são além de sua devoção a esse empreendimento. Não é um grupo de pessoas que ocasionalmente critica o Islã. São pessoas que se beneficiam financeira e politicamente do esforço de demonizar muçulmanos.

O atentado contra a revista Charlie Hebdo na França e a tentativa de atacar o concurso de caricaturas de Maomé no Texas facilita a vida dos que promovem a islamofobia, não?

É difícil não concluir que isso impulsiona a carreira de alguém como Pamela Geller. Eu acredito que ela explora esse tipo de tragédias. O concurso de caricaturas de Maomé no Texas era uma resposta ao ataque a tiros contra a Charlie Hebdo em Paris. De muitas maneiras, o evento era uma exploração da grande tragédia que ocorreu.

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Como o sr. compara os dois episódios? Geller apresentou seu evento como uma defesa da liberdade de expressão.

Eu não acredito que nenhum dos eventos deve ser tratado como uma questão de liberdade de expressão. Certamente não acredito que esse é o tipo de discussão que deveríamos ter em relação ao evento de Geller. Não era sobre liberdade de expressão. Geller gostaria que falássemos que isso é um conflito entre a proibição da liberdade de expressão do Islã. Mas não é sobre isso. É sobre ódio e é sobre isso que deveríamos falar em relação a Geller.

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No caso do Charlie Hebdo é um pouco mais complicado porque a revista se dedica à sátira e ela não é dirigida apenas contra muçulmanos. Tenho uma série de críticas em relação à Charlie Hebdo e tenho uma divergência fundamental quanto à definição do que é sátira. E não penso que tudo o que eles fazem é sátira. Mas eles não criticam apenas muçulmanos, enquanto Geller só ataca muçulmanos.

Se o que Charlie Hebdo faz não é sátira, o que é?

É humor ruim. Não sei nem se humor é a palavra correta. Certamente é comentário político, mas, na minha definição, sátira tem por alvo pessoas em posição de poder ou privilégio. E os muçulmanos na França e no restante da Europa não estão em posição de poder e privilégio. Eles integram comunidades marginalizadas, não têm muitos líderes proeminentes e tendem a não ter voz. Focar uma comunidade que já é marginalizada fica fora do propósito da sátira política. Sátira é realmente sátira quando atinge aqueles que estão em posição de poder e privilégio.

 

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