Israel grita: ''Olha o lobo!''

Netanyahu alerta sobre o Irã, mas Obama deve ser cético

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Por Roger Cohen
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"O Irã é o centro de terrorismo, fundamentalismo e subversão e, a meu ver, mais perigoso que o nazismo, pois Hitler não possuía uma bomba atômica, ao passo que os iranianos estão tentando aperfeiçoar uma opção nuclear." Binyamin Netanyahu 2009? Tente de novo. Essas palavras foram na verdade proferidas por outro premiê israelense (e atual presidente de Israel), Shimon Peres, em 1996. Quatro anos antes, em 1992, ele havia previsto que o Irã teria uma bomba nuclear até 1999. Não se pode acusar os israelenses de não gritar "lobo". Agora eis que vem Netanyahu, numa entrevista a Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, soltar a mais recente afirmação da tentativa de Israel de enquadrar o Irã como alguma encarnação de tipo nazista do mal: "Ninguém quer um culto apocalíptico messiânico controlando bombas atômicas. Quando o crente pueril se apodera das rédeas do poder e das armas de destruição em massa, o mundo deveria começar a se preocupar, e é isso que está acontecendo no Irã." A questão hoje é o que Barack Obama fará da receita de Netanyahu de que, além da economia, a grande missão do novo presidente americano é "impedir o Irã de obter armas nucleares". Voltemos a essa entrevista de Netanyahu. Esse "culto apocalíptico messiânico" em Teerã é, certamente, o mesmíssimo com o qual Israel fez negócios durante os anos 80, quando era do seu interesse enfraquecer o Iraque de Saddam Hussein. Esses negócios - incluindo a venda de armas e tecnologia - foram uma extensão da política israelense para o Irã na época do xá. É também o mesmo "culto apocalíptico messiânico" que sobreviveu 30 anos, tirou o país da penúria da guerra Irã-Iraque (1980-88), ampliou seu poder e influência, cooperou com os EUA sobre o Afeganistão antes de ser incluído no "eixo do mal", e manteve seu país em paz no século 21 enquanto a agitação sangrenta envolvia vizinhos no leste e no oeste e Israel travava duas guerras. Eu não engulo a visão de que, como Netanyahu disse, o Irã é "um regime fanático que poderia colocar seu fanatismo acima de seu interesse". Cada fragmento de evidência sugere que, ao contrário, o interesse próprio e a sobrevivência movem os mulás. Mas Netanyahu insiste em que o Irã é "um país que glorifica sangue e morte, incluindo sua própria autoimolação". Como é? Netanyahu diz que "a liderança composta" do Irã tem "elementos de um fanatismo pueril que inexistem em nenhuma outra candidata a potência nuclear no mundo". Não, eles existem numa potência nuclear real, o Paquistão. Netanyahu também faz a afirmação grotesca de que a terrível perda de vidas na guerra Irã-Iraque (iniciada pelo Iraque) "não deixou um ferimento terrível na consciência iraniana". Ela fez exatamente isso, razão pela qual os mais jovens no Irã querem a reforma e não a subversão; e porque o país como um todo privilegia a estabilidade à aventura militar. Os Estados árabes, sugere Netanyahu, "esperam ardentemente" que os EUA façam uso, se necessário, do "poder militar" para impedir o Irã de se tornar nuclear. Minhas conversas, incluindo com autoridades sauditas, indicam que isso está errado e a velha tentativa israelense de convencer Estados árabes de que é o Irã, e não Israel, seu verdadeiro inimigo, fracassará de novo. O que está se passando aqui: Israel está tentando amarrar o apoio americano e evitar qualquer mudança desvantajosa no equilíbrio de poder no Oriente Médio, agora nitidamente inclinado a favor de Jerusalém, retratando o Irã como um Estado pária inclinado a uma guerra nuclear iminente. O que é fundamental agora é que Obama veja a manipulação do medo de Netanyahu com um merecido ceticismo, que a refreie, e prossiga em sua abertura de reconhecimento de regime para Teerã, como fez na quarta-feira ao dizer que os EUA entrariam nas conversações nucleares pela primeira vez. A única maneira de impedir o Irã de se tornar nuclear e encorajar a reforma de um regime repressivo é a mesa de negociações. *Roger Cohen é colunista

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